quinta-feira, 31 de março de 2016

coisas que recomendo: Em defesa dos arneses para crianças.



Há muitos anos atrás, era eu uma miúda de 17 /18 anos, e tinha o primeiro part-time no shopping que conciliava com as aulas de Alemão. O mundo naquela época parecia de certa forma um lugar mais seguro, mais cor-de-rosa que hoje. Em parte certamente porque não havia, como hoje, serviços noticiosos 24 horas por dia a bombardearem-nos constantemente com um léxico de horrores. Não é que as coisas não ocorressem, mas como diz o ditado "a ignorância é uma bênção." Ou simplesmente parece ser.
Por exemplo, acho que o termo "pedofilia" nunca me tinha passado pelo pensamento até ao boom mediático do caso Casa Pia, assim como o caso "Rui Pedro" se tornou um triste ícone da matéria sobre o desaparecimento de crianças. Isto, anos depois do evento que vos relato.

Uma calma manhã saio da loja para ir ao wc. Apressada, como de costume, porque convinha não demorar e queria aproveitar para também fumar um cigarro. Naquele layout particular o wc das mulheres estava mais recuado, e tínhamos sempre que passar ao lado do lavabo masculino. Enquanto ia perdida nos meus pensamentos, ocorreu, por um simples acaso, olhar para o lado durante uns segundos no momento em que passava pela porta do wc masculino. A minha vista trespassou a vidraça da vigia que enfeitava a porta e pareceu-me vislumbrar algo muito estranho.
Pareceu-me ver um adulto a cortar o cabelo a um miúdo junto dos lavatórios. A cena pareceu-me tão bizarra, tão fora do comum, que o meu cérebro teve sérias dificuldades em assimilar a coisa.

Pelo sim, pelo não, dirigi-me a um dos seguranças e descrevi-lhe o que me pareceu ter visto. Que por ser tão estranho e ter sido tão rápido, não tinha certezas absolutas mas, que preferia pecar por excesso de zelo. O segurança disse-me ter tomado a melhor opção e que voltasse à minha rotina, que eles tratariam de tudo a partir daquele momento.
Nunca soube o desfecho da história, mas é coisa que nunca mais esqueci. E que voltei a recordar de cada vez que uma criança figurava uma qualquer triste notícia.

Serve este prêambulo para nada mais que ilustrar que o perigo existe, independentemente da nossa consciência sobre tal. Não é para andarmos paranóicos, apenas conscientes do que existe um pouco por todo o lado.

Mas, hoje estou aqui para falar sobre as chamadas "trelas" para crianças. Ou melhor, para partilhar a minha perspectiva, que vem em defesa deste artefacto ainda tão criticado e incompreendido.
Para estruturar melhor o meu argumento, googlei "trelas para crianças". Fui dar a alguns blogues, (aqui e aqui), e fóruns, (como aqui e aqui).
Como em tudo as opiniões dividem-se.

A amostra constituída pelas opiniões nos links citados é um bom exemplo disto mesmo. Há quem defenda os arneses porque em criança usaram um e acharam a experiência tão positiva que agora os procuram para os filhos, ou porque já apanharam cagaços valentes e passaram a olhar para este acessório como um adjuvante para evitar situações futuras, ou ainda porque estão ou estiveram num qualquer país onde o uso deste é comum e isso bastou-lhes para não olharem para o dito com estranheza e preconceito, chegando mesmo a ver o lado prático da coisa.

Se este post tivesse um objectivo seria esse mesmo: adoraria que as pessoas olhassem para estes acessórios como sendo isso mesmo - um acessório - com a mesma naturalidade com que olham para qualquer outro, sejam as fraldas descartáveis, os ovos, tudo o resto. E sem preconceitos possam deliberar se, no seu caso, lhes é ou não útil. Tão simples quanto isso. Também houve um tempo em que se achou que as papas já preparadas e os boiões eram coisas para mães preguiçosas. Ainda há pouco tempo se olhavam para os marsupiais e slings com alguma estranheza.  Felizmente o mundo evolui: "Primeiro estranha-se, depois entranha-se".

Na amostra supra citada há quem não adira às chamadas "trelas" por isso mesmo, por acharem que no seu caso não lhes serviria de muito. E depois há aquelas opiniões que perdoem-me mas tenho que confessar que me tiram do sério pois demonstram uma ignorância, umas vistas curtas, umas palas nos olhos de todo o tamanho. São as pessoas que optam por "argumentar" afirmando que quem recorre a um acessório destes trata as crianças como cães, (infelizmente, quem dera a muitas crianças por este mundo fora terem a sorte de serem tão bem tratadas como alguns cães!), é preguiçoso, é mau progenitor e não devia ter filhos.
Infelizmente, este tipo de vozes com as suas opiniões carregadas de preconceito, julgamento e ignorância são capazes de influenciar um terceiro grupo de pais, que gostariam de experimentar o produto mas não o fazem por vergonha, porque não querem ser olhados de lado, nem serem alvos de comentários maldosos. O mais triste é que assim, pelos piores motivos, abdicam de fazer algo que aumentaria a segurança dos filhos, a sua tranquilidade e até lhes facilitaria um pouco a vida.

Confesso que os comentários onde se apelidou de preguiçosos e incapazes os pais que usam os arneses me ficaram na memória. A passearem tranquilos com a criança pela trela, como se atrevem, não é?! Como se tranquilidade e parentalidade não combinassem, como se fosse um pecado unir esses dois conceitos. Se não vos causa dor e sofrimento então é porque não estão a fazê-lo bem. Será isso?
Honestamente apetecia-me dizer-lhes "Ai é assim? Então toca a passar para cá tudo o que foi inventado para facilitar a vida aos pais! Fraldas descartáveis, toalhitas, biberões, carrinhos de bébé, tudo!"
Aliás, ao que estas pessoas chamam preguiça eu chamo inteligência. Sem esta não teríamos inúmeros confortos na nossa vida quotidiana, aos quais já nem damos o devido valor, como água potável a sair da torneira, luz ao clicar num interruptor, frigoríficos para preservar os alimentos entre tantos e tantos outros.


Porque defendo os arneses?

1º - Pela saúde das crianças:
Já ouviram falar em luxação do cotovelo ou cotovelo de ama?

2º - Pela saúde dos adultos:
Claro que é agradável andar de mão dada com as crianças, ou ampará-las enquanto dão os seus primeiros passos. No entanto acho que ninguém achará confortável fazê-lo durante longos períodos, porque nos obriga a andar tortos e curvados, com implicações óbvias para a coluna. Acho que este acessório aumenta o conforto físico de pais e avós.

3º - Explorar com segurança:
Há quem ache que as crianças fiquem demasiado restringidas quando estão com o peitoral. Eu defendo precisamente o contrário. Acho que tê-las pela mão ou no carrinho lhes diminui muito mais a liberdade. Com o peitoral, podem andar por si, explorar, ter uma certa sensação de autonomia, mas sem perigos porque estão sempre ligados ao adulto.

4º - Mais tranquilidade, menos zangas, mais diálogo:
Utilizar o arnês não implica que não se ensine à criança todas as regras de segurança, inclusive aquelas sobre como se deve circular em todos os tipos de espaços, desde como deve ter cuidado com os carros, etc.
O que acontece, na minha opinião, é que estando sempre a criança em segurança quando está a usar este acessório, os pais não andam naquele estado de frustração porque o sacana do miúdo lhes pregou 20 sustos na última hora, nem têm que andar aos berros porque este teima em afastar-se, nem recorrer à palmada.
São totalmente livres de discordar, mas eu cá acho fantástico não se ter que andar a berrar advertências de 2 em 2 minutos, nem andar sempre em stress ou a correr atrás deles, e com isso poder aproveitar as saídas para explicar tudo o que se queira que eles aprendam com calma e tranquilidade.

5º - Ninguém é infalível:
Porque as crianças são como são, até os pais ou os avós mais atentos apanharão, pelo menos uma vez na vida, um daqueles sustos. Não por falta de zelo, mas porque realmente bastam dois segundos. Sabem aqueles dois segundos que demora a abrir a carteira para sacar do cartão para pagar as compras no supermercado? Os mesmos dois segundos em que olhamos para os produtos expostos nos lineares, ou que gastamos num breve cumprimento a quem se cruza connosco, ou que sacamos do telemóvel para ver quem nos está a ligar...
Nós não somos máquinas.

6º - Porque, para além de seguro, é prático:
Não defendo que o arnês seja usado em todos os momentos. Há ocasiões específicas em que este é desnecessário. Que não se deve abusar pois é um acessório de segurança, um elo de ligação, e não um castigo.
Há ocasiões em que o acho indispensável como idas a shoppings, aeroportos, visitas a sítios a transbordar de gente (imaginem a Eurodisney, por exemplo), saídas em que só está presente um dos adultos, momentos em que terão que desviar as atenções para outra coisa que não a criança, etc.

Todos os dias vejo inúmeras mães a saírem com as suas crianças pela mão. Há muito para fazer e tratar. São poucas as pausas. Se se sentam para tomar um café, é certinho que se levantarão dezenas de vezes para agarrar os petizes irrequietos. Voltam a casa de mãos carregadas. Não há braços para tudo. Tentam controlar a marcha dos miúdos com advertências. Não é assim tão raro o dia em que a criança chegue a casa já num pranto. Houve algures no caminho uma pausa para uma palmada. Muito provavelmente porque o petiz decidiu correr na direcção da estrada. Olho para as inúmeras mães e parecem exaustas ainda nem é hora de almoço. Chegam curvadas e tortas. Tiveram que arranjar maneira de libertar uma mão para virem de mão dada, por segurança, e por isso carregam um incontável número de sacos numa só mão. E eu penso: "Mas se podia ser tão mais fácil e seguro..."

7º - Porque não são trelas, nem se parecem com estas:
Existem vários modelos. Desde os arneses, às mochilas com peluches de onde sai a tal correia que os liga aos adultos, até a duas pulseiras ligadas entre si, até modelos que servem para apoiar nos primeiros passos e mais... Basta googlar e encontrarão imensos exemplos. Escolhi apenas alguns para ilustrar.













segunda-feira, 28 de março de 2016

100 motivos para não ter filhos #4: A mãe que eu seria, segundo o meu marido.



Após mais uma caminhada em família, em que eu tenho 50 micro avc's de cada vez que o marido solta o Kiko, podemos gozar, finalmente de uma pausa para café.

Momento que ele aproveita para o centésimo discurso sobre eu ter que aprender a descontrair, que há vários locais até bastante seguros onde posso soltar o cão e etc. O blá blá blá do costume, a que eu respondo, de forma costumeira, com um redondo e exclamativo não. Acrescento uns quantos "jamais!", "nem pensar nisso!", "comigo, é sempre com trela!", para ver se a mensagem segue suficientemente explícita e directa.

Suspira uns quantos "ah, coitadinho" e derivados, aos quais eu retribuo com "não sei qual é problema. É pela segurança dele. Aliás, se tivéssemos crianças, também andariam com trela".

(Sim, que eu sou apologista das trelas para crianças.)

"Eu sei." - diz ele. "Até aos 25."
Rimo-nos.

"És uma mãe galinha. Super protectora. Fazes-me lembrar a mãe dos Goldbergs. Tal e qual!"

"Opá! Faltam-me os chumaços e os jeans de cintura subida!"

(O pior, admito, é que ele é capaz de ter razão. Tenho "algumas" parecenças com a Beverly. Para quem não conhece esta série cómica, foi totalmente baseada na infância do autor. As personagens não são exactamente fictícias, mas retratos da sua família. Logo, a Mrs Goldberg é bem real.)














sábado, 26 de março de 2016

cromices #123: My poker face



Podemos gostar de quase todas as pessoas. Mas nunca de todas. Podem ser poucas as excepções, mas para todos, haverá sempre alguém a quem se torce o nariz.

Se dizem que o mundo é pequeno, então Portugal é um grão de areia. Mais dia menos dia estarão fadados a cruzarem-se com tal indivíduo.
Uma pessoa despacha a coisa com um olá e um daqueles clichés ridículos que não querem dizer realmente nada, mas é o que sai. Tudo muito bem se tiverem jeito para bluff e uma boa "poker face".
A restante humanidade, os desgraçados sem a tal "poker face", da qual pelos vistos faço parte, nota depois que enquanto tudo ocorreu a cara tinha congelado numa infeliz expressão, similar à que se faz quando se cheira um peido.

Antropoformização involuntária #8


Um dos inúmeros pontos em comum entre ter um bébé e um animal é, que a partir desse momento, muitas das conversas que terão com a vossa cara metade serão de teor escatológico.

Passareis a falar de cocó. Pior, passareis a ser entendidos na matéria. Falarão não só da frequência da coisa, como do aspecto e dimensão. Conhecerão os hábitos da criatura, e arranjarão nomes de código para os vários estados. O que vale é que o nojo é um estado passageiro. O ser humano adapta-se a tudo.

"Então, foi boa a voltinha?"
" Foi."
"E o menino fez cocó?"
"Dois. Primeiro saiu a rolha. Depois mais à frente fez um mais molinho. Está tratado por agora."


quinta-feira, 24 de março de 2016

cromices #122: Pelo sim, pelo não.


Uma das grandes vantagens de ter um animal, estando em casa, é que passei a ter alguém com quem conversar a qualquer hora. A vantagem de se conversar com um animal não humano é que nunca seremos brindados com uma qualquer tirada que nos ponha os cabelos em pé, ou nos faça revirar os olhos. Uma cauda a abanar, um olhar atento, um menear de orelhas, valem muito mais.

Converso com o Kiko sobre tudo.

No outro dia dialogávamos sobre evolução das espécies e reencarnação.

A coisa saltitava entre dizer-lhe o quanto os polegares são o máximo, enquanto lhe mexia nas patas. "A sério, no futuro, vocês vão adorar ter polegares. Garanto-te que nunca mais quererás agarrar nada com a boca."

Que nesse futuro longínquo serão certamente os cães e os gatos as próximas espécies a substituírem os humanos no domínio do planeta. E que farão melhor trabalho que nós. Bastará manterem o coração puro como hoje, deixarem de olhar para o cócó como um grupo alimentar, aprender a usar o wc e arranjar um cumprimento um pouco mais educado que cheirar rabos.

Eu que procuro sempre fugir da melancolia, não consegui evitar um pensamento sobre o quanto a vida dos cães é curta. Lembrei-me da história de Chico Xavier e da sua cadela Boneca e pensei que não será má ideia ensinar-lhe uma qualquer palavra, qualquer coisa, que nos permita reconhecermo-nos no futuro, noutro espaço, tempo e lugar. Noutra vida. Noutro plano, até. Pelo sim, pelo não...

coisas do mau feitio: A porteira não está.



Trabalhar em casa tem os seus prós e contras como qualquer outra ocupação.

Um dos maiores contras é que, a partir do momento que as pessoas notam que estamos sempre por casa, confundem esse facto com total disponibilidade e ocorre-lhes tomar certas liberdades. Pelo menos até ao momento em que lhes metemos o travão, de uma forma bastante indelicada. Há ocasiões em que muita gente só percebe "indelicadês".

Para ilustrar o facto ocorrem-me duas situações. Ambas passadas anos atrás.

Quando estava responsável pela administração de condomínio uma vizinha ganhou o hábito de me vir bater à porta bem cedo pela manhã. E insistia na campainha até eu não ter outra opção senão ir à porta, estremunhada e em pijama.
Basicamente para relatar que a senhora que trata da limpeza das áreas comuns tinha faltado em determinado dia, ou que não passava o pano aqui e ali, ou que demorava menos tempo que o suposto. Ou seja, nada que não pudesse esperar por uma hora mais condigna, ou como mais tarde lhe referi, (a esta senhora e a outra), são temas que deveriam expor nas reuniões. Caso porventura se dignassem a comparecer nas mesmas.

Como a paciência não é eterna, passados alguns dias deste ritual passei-me. Abri a porta com má cara, e perguntei-lhe secamente qual era o assunto. Quando começou a enunciar outra vez a questão da mulher a dias passei-me. Soltei um "Foda-se! E vem acordar-me por esta merda? Brincamos ou quê?!"

Remédio santo.

Para evitar episódios futuros abordei a questão na reunião seguinte, lembrando a todos que ali é a minha casa, não é um escritório. E mesmo que fosse, teriam que respeitar horários. Que estava disponível, como sempre, mas que usassem de bom senso.

A segunda situação tem a ver com a campainha.
Todos os dias era uma roda viva: desde o rapaz que vem colocar publicidade nas caixas de correio, ao carteiro, às senhoras dos panfletos religiosos, aos vendedores porta a porta, aos funcionários que vêm fazer a leitura dos contadores... Uma romaria. E todos tocavam à minha campainha.
Começou a juntar-se à festa os miúdos que não têm paciência e tocam numa resma de campainhas, e outras pessoas.

A minha paciência atingiu o limite quando ia à janela ver quem era, (ainda por cima o intercomunicador estava avariado), e eram pessoas que querendo falar com outro qualquer vizinho, se este tardava a responder ou não dava sinal, tocavam para outras pessoas. Leia-se, para mim.

Certo dia, de mau humor por me terem estragado a sesta e pela repetição da cena, assomo à janela e recuso-me a abrir-lhes a porta. Digo-lhes que se é com o sr. X que querem tratar, é só na campainha da sua casa que devem tocar. Que não gosto de ser incomodada, que me acordaram, e que o prédio não tem porteira. E mesmo que tivesse não é aqui que mora.


cromices #121: A paciente perversa



Desde há dias que ando constipada. Não me impede de fazer a maior parte das coisas, mas é tudo em câmara lenta e com muitos queixumes à mistura. Sou uma florzinha de estufa e uma péssima paciente.

Mesmo toda entupida estou aqui com um sorriso de orelha a orelha. Tudo porque se há coisa que me dá especial prazer quando estou doente é moer a paciência ao meu gajo. Adoro!
Sou daquelas doentes que gosta de receber atenção. Quero ser adorada feita menino nas palhinhas deitado. Deixa-me de especial bom humor andar feita assombração atrás do desgraçado ora a mandar vir, ora a pedir miminhos e torradinhas.

Não se preocupem. Ele depois vinga-se.

segunda-feira, 21 de março de 2016

coisas da casa: O corredor



Não sei se convosco se passa o mesmo, mas há uma arquitecta/ designer de interiores que habita em mim. O raio da entidade é tão opinativa que tem sempre uma palavra a dizer sobre todos os espaços que visito, conheço ou vislumbro. Seja habitação, espaço comercial ou qualquer outro, lá está ela a sussurrar-me ao ouvido sobre que paredes deitava abaixo, o que acrescentaria, o que modificaria aqui e ali.

Claro está, a nossa casa não é excepção.

Fosse fazer-lhe a vontade por aqui e em nome do design e da imaginação, a intervenção seria de tal forma geral, que de antigo só ficaria a carcaça.

Honestamente adoraria fazer-lhe a vontade, nem que fosse para ter aquela sensação de realização, de ver as ideias ganharem vida, passarem do abstracto para a realidade. Até porque algumas das ideias, perdoem-me a falta de humildade, são realmente boas.
O que me trava é que obras em casa, para além de significarem um enorme dispêndio de dinheiro e tempo, são sinónimo de grandes chatices e dores de cabeça. Elevadas ao cubo numa casa que se encontra habitada. Credo! Cruzes canhoto! Só de pensar é coisinha para fazer esmorecer a vontade.

Um dos espaços que mais gosto nesta casa é a zona de hall de entrada e corredor. Os primeiros proprietários, que apanharam a casa ainda na fase de construção, tiveram várias divergências com o construtor ao nível da estética e exigiram várias modificações, pelas quais estamos gratos. Não fossem as suas exigências e teríamos armários castanhos na cozinha ao invés de brancos, e o corredor seria revestido a azulejo ao invés de lambri de madeira, que é uma opção que, tendo em vista o padrão de azulejos escolhido, nos agrada muito mais.

Agora as tendências são outras, mas durante muito tempo não havia casa construída em Portugal que não levasse com os proverbiais azulejos nas áreas de circulação.
Nada tenho contra a azulejaria portuguesa, pelo contrário, apenas acho que muitos construtores conseguiram ser pródigos em escolhas infelizes, (com tanto padrão bonito, como é possível escolher tamanhos mamarrachos!).
É importante haver consonância entre a identidade, a alma da casa e as escolha destes pormenores.

Adiante.

O grande ponto forte do meu corredor é ter uma largura bastante simpática. Assim sendo, permite-nos não só ter uma zona de bengaleiro, mas também algum espaço para arrumação sem que a circulação fique comprometida.

Mesmo assim, acho que o espaço está mal aproveitado, que tem potencial para muito mais. E acho importante, especialmente em casas que não primem pelas grandes dimensões, dar o devido valor a cada centímetro. Preferencialmente de uma forma que não sacrifique a estética.

Nas zonas de passagem os revestimentos são importantes para proteger as paredes de danos e sujidade. É muito mais fácil a limpeza e manutenção de um qualquer revestimento, seja madeira, azulejo ou outro, do que uma parede simplesmente estucada ou pintada.

Imagino as paredes neste espaço, à excepção de uma, totalmente revestidas a ardósia. Gosto de materiais naturais, e os espaços onde predominam a pedra sempre me transmitiram uma agradável sensação de conforto e bem estar, para além de os achar visualmente apelativos.

Manteria o tecto falso em madeira porque sou fã destes tectos pela sua facilidade de manutenção, aspecto e porque permitem personalizar a iluminação, colocando-se tantos focos de luz quantos os desejados e onde se desejam.

Mesmo assim, o grande pormenor da mudança residiria em ocupar toda uma parede com um móvel feito à medida.
Há anos, vi num qualquer artigo de decoração sobre a casa de um arquitecto, uma estante que passou, para mim, a ser "a" estante. Estava construída de forma tão perfeita que, para os menos atentos, parecia somente uma parede revestida a madeira, completamente lisa, sem quaisquer rococós. A ausência de adereços salientava a beleza natural da madeira. Se a memória não me engana, (já que não consigo reencontrar o dito artigo nem por nada), um extra de criatividade e interesse visual residiam no facto da estante estar dividida em cubículos iguais, (não se notando tratarem-se de portas), onde se iam alternando a direcção dos veios da madeira, ora na horizontal ora na vertical.

Adoraria ver uma parede específica do corredor ocupada com uma estante do género, com compartimentos adequados às nossas necessidades. Porque uma estante é tudo o que quisermos e necessitarmos.
Imagino-a com um nicho onde possamos colocar largar as chaves, os telemóveis e o correio. Com arrumação para sapatos, malas, casacos. Com compartimentos especiais onde arrumar a bicicleta, as pranchas, os patins. Com espaço extra para livros e tantas outras coisas. Tudo organizado, escondido, detrás de uma peça de inequívoca beleza.

E para quem não aprecie o look natural da madeira porque não colar-lhe a impressão de um dos quadros favoritos? Já imaginaram ter em casa um Miró, um Kandinsky, um Almada Negreiros ou Vhils do tamanho de uma parede?








sexta-feira, 18 de março de 2016

cromices #120: A integibilidade é um pormenor de somenos importância



Desde há uns tempos para cá, adicionei mais uma rua ao nosso roteiro de passeatas.

Chamo-lhe "a rua da Dee-Dee" porque é nome da cadela com quem o Kiko mantém uma relação muito respeitosa de namoro à moda antiga, ao portão.

A Dee-Dee sente-nos o cheiro, ladra, e lá vamos nós rua acima, quase a correr, para sermos recebidos por uma cauda a abanar.

Até lá, cumprimentamos habitantes das outras casas, humanos, caninos e felinos, que já nos conhecem e sabem que vamos a caminho de mais um sessão de "namoro".

Num dos pátios, ocupada com as verduras do quintal, costuma estar uma senhora já de idade bem avançada. E eu, que não tenho feitio para me fingir cega e avançar muda depois de ver e ser vista, lanço-lhe um sorriso e um cumprimento. A senhora retribui no mesmo peso e medida. Acontece que não percebo uma única palavra do que a senhora diz. Aceno, meneio a cabeça em tom de concordância, lanço umas interjeições e despeço-me cordialmente.

Ontem a cena repetiu-se. No meio de um discurso sibilado que não consigo descortinar fui capaz de apanhar algo que me soou a "Kikinho". Aí fez-se luz. É que eu falo com o Kiko em voz alta, e estando o pátio da senhora num nível mais baixo que a rua, presumi que se sentisse curiosa sobre quem raios seria o tal de "Kikinho" que ali passa todos os dias. Agarrei no cão ao colo para que ela o visse.
Soltou uns "oooohhh" por entre o desenho de um sorriso. Sorrio de volta, "Até mais logo, minha senhora!"


Antropoformização involuntária #7



Antes de sair de casa, sintonizar a tv no Panda, só para o "miúdo" ter algo com que se entreter.


quarta-feira, 16 de março de 2016

Adenda ao post anterior ou, o mui importante 11º elemento.



Se todos os 10 elementos que vos falei no post anterior servem para tornar a vida mais prática, e incidem sobre a importância de se estar preparado para resolver aqueles pequenos imprevistos quotidianos que nos tiram do sério, o 11º não é menos importante.

Mesmo que tenhamos a grande bênção de nos ocuparmos profissionalmente de algo que realmente gostamos, nem todos os momentos são abençoados.
Especialmente nos piores dias é fundamental termos onde ir buscar uma gotinha de motivação, um raio de positivismo. Algo que nos lembre o quê e quem são dignos dos nossos sacrifícios, aquilo ou aqueles que nos inspiram, nos trazem de volta ao nosso melhor.

Não vos posso dizer qual o vosso "item". A vossa inspiração poderá ser um qualquer souvenir de umas férias passadas, num qualquer lugar onde tenham sido realmente felizes e a vontade de lá regressar.
Pode ser uma foto de família aquilo que vos lembre que há coisas maiores e melhores que qualquer maçada, que vos faça sorrir e dar-vos forças para ultrapassar qualquer dia não.
Como pode ser um simples postal com uma citação inspiradora, a alusão a um sonho por realizar, uma planta, ou outra coisa qualquer.

Portanto, o 11º elemento é um talismã. E o bem que estes podem fazer batem qualquer rónhónhó sobre necessaires e tira-nódoas.

coisas de uma virginiana: Kit de sobrevivência para o emprego.



Quer se tenha um cacifo ou simplesmente uma gaveta à disposição, há um número de itens que considero que devemos ter sempre à mão, só para o caso de não sermos apanhados desprevenidos.

Aqui vai a minha lista de itens que devem existir num "Kit de sobrevivência para o emprego":

1 - Lenços de papel.
Nunca mas nunca devemos andar sem lenços de papel. Devemos andar sempre com um pacote e ter mais alguns de reserva. Seja para a função óbvia de nos assoarmos ou qualquer outra, seja para nos precavermos de entrar num wc em que o papel não tenha sido reposto. Ninguém quer passar por um constrangimento desses!

2 - Carregador de telemóvel.
O ideal é ter um carregador extra. Um em casa, um no emprego. A vida contemporânea exige que estejamos sempre contactáveis, por isso ficar sem bateria não é opção. Não é má ideia marcá-lo com o nome do proprietário.

3 - Mini-farmácia.
Até a pessoa mais saudável não está imune a uma dor de cabeça ou a um episódio de azia ou mal-estar intestinal. Não custa nada ter de reserva uma embalagem de, (ou somente alguns), analgésicos, antiácidos e antidiarreicos.

4 - Farmácia feminina.
Para evitar esquecimentos, distracções e surpresas, uma mulher deve estar sempre prevenida com uma embalagem de tampões ou pensos higiénicos, conforme a preferência, e analgésicos para as dores menstruais.

5 - Tira-nódoas.
Entornar café na camisa, saltar uma gota de molho para a gravata, etc, não é nada de outro mundo e está sempre a acontecer. Melhor do que ir para o wc esfregar a nódoa com água e sabão, o que por vezes só piora, é ter à disposição uma embalagem de toalhitas tira-nódoas.

6 - Toalhitas de bebé.
Porque as toalhitas de bebé servem para mil e uma coisas mais do que somente limpar rabiosques de petizes. Seja para dar uma "refrescada" quando não existe melhor forma de o fazer, seja para limpar um sapato sujo. Não desdenhem que as toalhitas são o máximo quando temos que nos desenrascar à la Macgyver, com a vantagem que são tão suaves que não vão estragar nada.

7 - Necessaire de higiene.
Absolutamente indispensável a escova e a pasta de dentes. Existem à disposição imensos kits de viagem que facilitam ter os instrumentos básicos de higiene oral à disposição em qualquer lado, bem armazenados e sem qualquer incómodo. Quanto ao fio dental e elixir bucal, depende do à-vontade de cada um em ser apanhado no wc do "escritório" a gargarejar e afins.
Não esquecer também desodorizante, escova ou pente, itens de maquilhagem para quem usa, e produtos para o duche caso exista tal infraestrutura. Neste caso, é importante acrescentar chinelos para o banho, toalha, muda de roupa e saco para transportar roupa.

8 - Roupa para emergências.
Acidentes acontecem. Ninguém gosta de andar sujo e existe, mais no desempenho de algumas funções, uma maior preocupação com a imagem. Portanto, se não quiserem fazer como o nosso actual Primeiro Ministro que teve o azar de atender um ofício com uma nódoa na gravata, uma camisa limpa e uma gravata, no caso dos senhores, não ocupa muito espaço e salva de embaraços.

9 - Snacks.
Nem todos os locais de trabalho possuem cantinas ou bares. Mesmo nestes, nem sempre estes espaços estão à disposição. Uma saquetas de bolachas ou umas barras de cereais podem ser uma opção para quando aquele "ratito" dá sinal entre as refeições, uma garrafa de água, assim como uns rebuçados ou algo do género só para o caso de acontecer uma queda de tensão.

10 - Artigos de escritório.
E com isto refiro-me especialmente a canetas. Quantas vezes já assisti, em locais onde uma simples caneta é uma ferramenta essencial, a uma azáfama em busca de uma caneta que escreva, ou daquela que estava mesmo ali e agora já não se sabe dela. Se trabalham num local assim, comprem uma embalagem de canetas para vosso uso pessoal. Fechem-nas na vossa gaveta se for necessário e fica a situação resolvida.





segunda-feira, 14 de março de 2016

sabedoria dos intas em 10 segundos #40

Por vezes, encontra-se num vislumbre de céu muito mais sentido que, em todas as coisas desta Terra. Dizem que não há dois minutos de céu igual, que é algo irrepetível, sempre em constante transformação.
Talvez por isso tenha adquirido, nos últimos anos, o hábito de olhar para cima com mais frequência. Sobretudo com a noção que me devo demorar nesse pequeno ritual.

No meio de um céu que se apresentava como um manto cinzento, abriu-se uma clareira, de onde pude espreitar um amontoado de pequenas e perfeitas nuvens, qual enorme torre de profiteroles de níveo algodão. Contrastavam de tal forma que um fundo azul límpido que pareciam desenhadas pelas mãos dos mestres italianos do pastoral beatífico.

E eu, pessoa dada a simbolismos, acreditei que era inequívoco sinal do tanto que há por lá.

sexta-feira, 11 de março de 2016

cromices #119: Cabrita que é cabrita...



Se um dia passarem por uma qualquer quinta pedagógica ou parque do género, e repararem que existe uma única adulta numa fila cheia de crianças, que esperam para dar festinhas ou alimentar a bicharada, é bem provável que seja eu.

Não resisto à bicharada e não recuso nenhuma oportunidade que me permita meter-lhes as mãos em cima.
E não me venham com a história que "é só para as crianças" e tal, que eu reviro os olhinhos e passo-vos por cima sem quaisquer pudores. Nunca aconteceu, mas fica o aviso.

Embora goste de todos, confesso que tenho uma predilecção pelos animais de quinta. Percebi-o, há muitos anos, quando visitei pela primeira vez a Quintinha do Zoo de Lisboa.




Gostei de tal forma dos animais presentes e do espaço, que um dos desejos para o futuro é ter uma casa com um jardim onde possa criar a minha própria quintinha.

Não é uma gracinha, nem um capricho, é um senhor sonho com maiúscula, um objectivo.

Gracinha, gracinha é já ter meio alinhavados os nomes com baptizarei a bicharada, e achar, por exemplo, que cabrita que é cabrita, há-de se chamar... Tieta.




quinta-feira, 10 de março de 2016

Vida de cão: Como as dietas são difíceis!



Numa das últimas visitas à vet, embora o Kiko não seja um cão gordo, somente um pouquinho roliço, surgiu o conselho de que ele deveria perder umas 700 gramas.

Começámos a cortar nos snacks e na quantidade de comida em cada refeição. Basicamente passei a dar-lhe entre as 70-80 gr ao invés de 100, o que já começou a dar frutos.

Pôr o Kiko a dieta não é fácil por dois grandes motivos: em primeiro lugar o bicho parece estar sempre esganado de fome, mesmo que tenha, como agora, acabado de almoçar há menos de 5 minutos. Em segundo é complicado cozinhar em micro escala. Para mim, é particularmente difícil, visto que já me apontaram diversas vezes que faço comida em doses industriais, para um batalhão.

Pois bem, o almoço do Kiko foi meio bifinho de peru grelhado, com 50 gr exactas. Junte-se uma rodela de batata doce, três rodelinhas de cenoura e uma couve de bruxelas, e a balança já estava mais próxima das 100 gr que das 80.

E eu a olhar para aquela mãozinha pouca de comida e a pensar que não, não é fácil.


coisas de comer: Grata pela moda dos robots de cozinha!



Tempo é vida. Desperdiçá-lo é um dos maiores crimes.
Por isso sou fã das coisas que facilitem a vida e me permitam ganhar mais uns minutos que poderei gastar a fazer algo que me dê prazer.

Lá por não querer um robot de cozinha não quer dizer que queira despender de muito tempo na preparação das refeições. Talvez, se sentisse a vocação para chef ou, se fosse algo tão pontual que, quando ocorresse, ganhasse um significado de ritual prazenteiro, onde todos os pormenores são uma experiência de bradar aos céus.
Duvido que sejam muitas as pessoas que, tendo que cozinhar todos os dias, soltem lágrimas de alegria a picar uma cebola, ou tenham orgasmos quando passam meia hora a lavar, descascar e cortar legumes para uma sopa.

Sim, continua a haver brio numa refeição bem preparada, satisfação e criatividade q.b. na sua realização, mas não mais importantes que a eficácia, a poupança de tempo e a lei do menor esforço.

Porque raios eu, que não abdico dos meus tachos, estou grata pela moda dos robots de cozinha?

Simplesmente porque, graças a esta tendência, passei a encontrar na secção dos legumes e frutas, uns sacos de misturas de legumes para sopa, já lavados e cortadinhos, prontos a usar. Diz no rótulo "especial para robots de cozinha", mas a minha panela não se importa.
Graças a eles consigo pôr uma sopa a andar em dois minutos. Com zero desperdício.

quarta-feira, 9 de março de 2016

Vida de cão: Qual de nós o mais teimoso?!


Dizem os especialistas em raças e coiso e tal que os Jack são dos cães mais obstinados e teimosos. Por esse mesmo motivo, desaconselhado a leigos.

Eu, que não sou especialista, nem nunca tive outro cão sequer, não vos posso confirmar que os cães desta raça são mais teimosos que os outros, ou qual o nível de teimosia do próprio Kiko quando comparado com indivíduos da mesma raça. Posso é afiançar que o miúdo é teimoso. Bastante. Ponto.

Por aqui o lema é uma no cravo, outra na ferradura. Tratamo-lo como um ser consciente, ao mesmo nível de uma criança pequena. Se por um lado o mimamos e até lhe damos uma dose q.b. de liberdade, por outro sabemos que existem momentos cruciais em que a disciplina e a nossa vontade devem ser impostas, por mais que desagrade ao menino.

Mais uma vez há uma similaridade incrível com as crianças. Nunca trouxe bem nenhum ao mundo educar uma criança fazendo-lhe todas as vontadinhas, a não ser que o objectivo seja criar um(a) déspota. Com um cão é igual. Aliás, há uma razão de ser no facto do "não" ser dos primeiros comandos que se ensinam.

De vez em quando o Kiko faz birra. Eu quero ir por determinado caminho e ele puxa-me na direcção oposta.
Sim, existem ocasiões em que o deixamos escolher o itinerário, mas não pode ser sempre. Aliás, é um privilégio que abunda ou escasseia conforme o seu comportamento. Que quem se porta mal não merece cá privilégios!

Se por vezes a birra se resolve rapidamente com um par de puxões na trela e uma advertência verbal, outras há em que ele, especialmente obstinado, choraminga, manda vir, abocanha a trela e tenta-me puxar, e parece totalmente decidido em levar a sua avante.

Pois é exactamente nestes momentos em que devemos fincar pé, ser mais autoritários que nunca, e recusar-nos a fazer-lhe a vontadinha.
A solução requer paciência e tempo, mas é tremendamente simples: basta ser mais teimosa que ele.

Ontem foi um bom exemplo. Disse-lhe, (sim, que eu sou daquelas maluquinhas que falam com os cães): "Temos o dia todo! Aqui, quem manda sou eu! Enquanto não o perceberes não saímos do mesmo sítio."

Durante um bom bocado, (mas muito menos do que estava espera, pois estava decidida a ficar horas se necessário), uns quinze minutos ou mais, ficámos parados. Quanto mais ele me puxava mais eu lhe encurtava a trela. Sentava-se. Ficava quieto. Mordia uns paus. Tentava novamente e eu voltava a encurtar-lhe a trela, mas sem lhe passar cavaco. Lançava-lhe o comando para ele prosseguir na direcção desejada e ele nada. E mantinha-me imóvel e resoluta.

Por fim decidiu, sem comando algum, obedecer-me. O que não era mais que o desfecho desejado e previsível, pois a pior coisa que se pode fazer na educação de um cão é sairmos derrotados de um destes "braços de ferro". Se começamos uma coisa destas, temos que sair vitoriosos, sempre. Ou sujeitamo-nos a uma regressão no comportamento do animal.

Lancei um novo comando que foi prontamente obedecido. Aí, dei-lhe uma mão cheia de treats e levou muitos elogios ao longo do caminho, coisa que ele adora e se nota bem pelo sorriso e cauda a abanar.

O seu comportamento foi exemplar o resto do passeio.

Portanto, quando a teimosia é o problema, uma dose maior da mesma é a solução.








terça-feira, 8 de março de 2016

coisas de opinar: Dia da Mulher



Hoje é um bom dia para confessar que, mais que uma vez ao longo da minha vida, desejei ter nascido homem. Pelo simples facto das coisas parecerem mais fáceis para o outro género.
Nem sempre esse desejo surgiu de acontecimentos em nome próprio. Desde criança, o que me faltava em energia e aptidões físicas, sobejava em pensamento e poder de observação. Não mudei muito, para não dizer que não mudei nada.
Muitas vezes preferia ficar em casa a ler ou a ver televisão do que ir para a rua brincar, e está ligada à televisão uma das minhas primeiras memórias sobre ter achado uma "grande seca" isto de ter nascido sob o signo feminino.

Não me lembro da minha idade exactamente, mas lembro-me de estar a assistir a um documentário sobre uma qualquer tribo africana, tão distante geograficamente como em costumes. Havia um grande festival, com danças, música e outros rituais. Jovens casadoiros faziam trinta por uma linha para caírem nas boas graças de jovens raparigas e das suas famílias. Após tudo concertado, o dote pago à família da moça, esta deveria acompanhar o esposo até à sua aldeia, onde viveria com este e com os sogros. A partir do momento em que se tornasse uma mulher casada a sua função seria tratar do marido, dos sogros e futuramente dos filhos, por toda a vida, sem objeções e com uma total obediência. Uma escrava, portanto. Pelo menos até ela se tornar também uma sogra, caso dê à luz filhos e não filhas.

É incrível o que a nossa memória decide armazenar em lugar de relevo. Lembro-me tão bem da minha reacção. De ter achado aquilo muito mal, de ter ficado indignada, de ter pensado que realmente é um grande castigo nascer mulher, e porque me haveria de ter calhado a mesma sorte. Logo a mim, ser quase indomável, com este mau feitio, esta obstinação, e esta desobediência e rebeldia inatas.

É que mesmo a minha mioleira sendo tenrinha de tão nova não demorou mais que um par de minutos a somar dois mais dois, a concluir que, embora com outras roupagens, a realidade daquelas moças africanas não era muito diferente da realidade de qualquer mulher europeia.
Assim sendo, posso afirmar que me tornei feminista ainda antes de conhecer o termo.

Recordo-me de estar a passar férias em casa de familiares, (mais uma memória de infância), e após um jantar, em que era hábito serem as mulheres a levantarem a mesa e tratarem da louça, ter-me saído num tom muito fervoroso e altivo que "não, não! Cada um leva o seu prato para a cozinha e lava-o, que não há cá criadas!"

Ou quantas vezes copiei o adágio que ouvi muitas vezes a minha própria mãe usar, enfrentando qualquer homem que me parecesse ultrapassar os limites. Fosse quem fosse, superiores hierárquicos inclusive, olhos nos olhos, nariz empinado e num tom desafiador: "Eu, com as calças do meu pai, sou duas vezes mais homem que você!"
Como quem diz, respeitinho, baixa a bolinha, que independentemente do género, vais aprender que aqui a alfa sou eu, comigo não cantas de galo ou corto-te a crista!

Rio-me ao recordar que, até conhecer o meu marido, todos os namoricos eram para mim, (embora não o confessasse claramente porque soava mal), coisas passageiras, experiências divertidas juvenis, enamoramentos sem perspectivas futuras. Se me vinham com planos sobre o futuro, na minha mente ecoava um trocista "deve ser deve, isso e sopas."
Um dia, após muita insistência aceitei conhecer uma mãe, deixando explícito que para mim não era indicador de "compromisso". O moço teve a infeliz ideia de lançar um bitaite sobre o que deveria escolher em termos de outfit para a ocasião. Rapei frio mas fiz questão de levar o meu vestido mais curto. Quão curto? Muito curto!
Diverti-me tanto, (e a senhora também, que era muito mais prá frentex que o energúmeno do descendente), que baptizei o trapo de "traje oficial para conhecer sogras".
Mais do que uma piada ou expressão de imaturidade, havia até bastante discernimento e inteligência por detrás destas minhas "saídas". Serviam-me para avaliar a pessoa, tentar captar-lhe a essência, imaginá-la noutros tempos e contextos, e pensar se teria o perfil adequado para mim. Pronto, simplificando, um "test drive".

Façam-me o grande favor de ensinar a todas as meninas das vossas vidas que, um namorado que opine sobre a sua forma de trajar é um merdas, com o potencial para se tornar um grande filho da puta, e que a única coisa que merece é ir com os porcos. Sem hesitações ou penas de qualquer espécie.

Se sempre o soube devo-o em certa parte à tal capacidade inata, mas sobretudo aos meus pais.

Entre muitas e muitas outras coisas, a minha mãe sempre se debateu com a ferocidade de uma leoa pela minha liberdade de vestir o que me desse na real gana. De tal forma, que o meu pai desistiu em pouco tempo de fazer interjeições sobre o tamanho das minhas saias.
É que o meu avô sempre foi muito severo e controlador. Nunca permitiu à minha mãe vestir uma minissaia nem prosseguir os estudos. A minha mãe fez questão que eu tivesse a liberdade e a oportunidade para ambas as coisas.

O meu pai também era severo e disciplinador, mas demonstrou, em algumas ocasiões, maior abertura do que muitos pais da sua geração. Das centenas de discursos sobre educação sexual que tive que gramar, (e que honestamente agradeço), lembro-me de um em especial. O meu favorito.
Disse-me que só eu decidiria o rumo da minha vida. Que só o meu bem estar lhe interessava. Tudo o resto são detalhes indiferentes. Casar ou nunca casar, viver junto, ou outra qualquer opção, era-lhe completamente indiferente. O importante era ter a inteligência suficiente para saber usufruir destes novos tempos, não abdicando da minha liberdade, do meu poder, das minhas escolhas por ninguém. Que hoje as mulheres não têm que ficar presas ao primeiro homem com quem dormem. Que tivesse juízo, e que me divertisse. Que tivesse bom senso, e não confiasse demasiado em homem algum, que tomasse as rédeas de todas as situações, (ênfase na prevenção), porque ainda hoje, "quem se fode é sempre a mulher".

Agradeço-lhes. Um dos resultados foi, feliz mistura de sapiência e destino, ter encontrado um parceiro para a vida que me adora precisamente pelo meu mau feitio, que se está pouco cagando para o que visto, que mais depressa lhe nasce um mamilo na testa a desenvolver algum traço de machismo ou misoginia.

Feliz dia da Mulher a todas. Celebrai hoje, que amanhã é dia de voltar a arregaçar as mangas, para que as crianças que nascem hoje, sejam no futuro, adultos melhores que nós.










segunda-feira, 7 de março de 2016

coisas de opinar: O imposto sobre o tabaco


Há muitos anos atrás, no tempo da Maria Cachucha, quando era uma miúda e fumava às escondidas, se me dissessem que um dia pagaria quase mil escudos por um maço de tabaco nunca teria acreditado em tal profecia.

Mil escudos equivaliam a duas semanadas naquela época. Sim, que eu recebia 500 escudos por semana. Não era muito, mas dava para ir tomar café todos os dias com as amigas.

Lembrei-me disto quando se começou a falar do Orçamento de Estado e de como se esperava mais um agravamento no imposto sobre o tabaco.

Sim, o fumo é um vício nojento, como todos os vícios. Faz mal à saúde, tanto à própria como à alheia, e à carteira. Obviamente que concordo que, na obrigatoriedade de aumentar os impostos que estes incidam sobre aquilo que é supérfluo, não tocando na lista de bens que são realmente essenciais.

Contudo, como fumadora, estou fartinha que sempre que haja uma revisão dos impostos, se opte por mais uma violação à minha carteira, deixando incólumes muitos outros produtos que são igualmente supérfluos e que fazem tanto ou mais mal que o tabaco.

Esta coisa do IVA e do Imposto sobre o Tabaco sempre teve contornos que me deixam cismada.

Há coisas que para mim são incompreensíveis, como o facto das publicações periódicas pertencerem ao escalão mínimo de imposto, (6% no continente), e um caderno não. Segundo este prisma um jornal sobre futebol ou uma revista cor-de-rosa cheia de mexericos é um bem mais essencial do que um caderno para levar para as aulas.

Os refrigerantes, que todos sabem que são só gás e açúcar, estão na lista do bens essenciais, enquanto por exemplo, uma massa recheada ou um peixe fumado são considerados, em comparação, bens de luxo.

Volto a dizer, impostos sobre vícios, sim senhor, moralmente é muito correcto. Desde que se incluam todos os vícios. Quero ver o álcool e o jogo a levarem o mesmo tratamento que o tabaco. Não dizem que umas das intenções destes elevados impostos é incentivar os fumadores a largarem o vício?
E desde quando e com que bases é que o tabagismo é ou pode ser considerado um vício mais maléfico que o alcoolismo?!
Que eu saiba nunca ninguém, por fumar um cigarro a mais, começou uma cena de pancadaria num bar, ou deixou de estar em condições para conduzir, ou foi para casa bater na mulher e nos filhos.

Não são situações destas, tão comuns que já são consideradas património sociológico e cultural, muito mais dignas de um discurso de incentivo à moderação e até à erradicação do vício?!

Ide-vos mas é foder, pá!



sábado, 5 de março de 2016

cromices #118: Hoje a culpa foi minha.


Pois é. Eu, a "senhora coisinha" com barulhos e coiso tal, hoje fui a vizinha barulhenta, a uma hora pouco santa, de tão matutina.
Pois, todos os panos ganham nódoa. A vida é mesmo assim. Mea culpa, as minhas desculpas e coiso tal.

Em minha defesa, já tinha sido torturada, antes das galinhas acordarem, com a luz do tecto, mais do que uma vez. Por mais que eu avise que existem mais candeeiros no quarto, a coisa não tende a pegar.
E como também há uma espécie de alergia em fechar a porta por parte do meu excelso marido, por mais que eu peça em todos os tons que conheço que a mantenha fechada, para que o cão não entre de rompante quarto adentro e venha saltar em cima de mim ou fazer uma qualquer judiaria, acordando-me com um sobressalto do caraças, (coisa que se repetiu por diversas vezes), a minha pessoa em estado zombie, e já a precisar de um reforço de trifene, não foi capaz de nada melhor que saltar da cama, articular uma catadupa de asneiras e fechar a porta com um imenso e incomodativo estrondo.

Mais uma vez, as minhas desculpas. A dobrar, porque uma coisa destas pede alguma vingança, e parte de mim acha que amanhã, que é dia do meu adorado marido ficar na cama pelo tempo que desejar, é uma excelente oportunidade para treinar bateria com os tachos.



sexta-feira, 4 de março de 2016

cromices #117: Um bicho à parte



Diz-me o que tens, dir-te-ei quem és.

Isto de não de ter aderido ainda aos robots de cozinha, e nem sequer pensar em fazê-lo, pelo menos por enquanto, faz de mim um bicho à parte, não faz?

E se vos disser que cá em casa foi abolido o micro-ondas?! Entramos na categoria "alienígena"?

vida de cão: O Kiko e as crianças



O Kiko não gosta de crianças: adora! E talvez por ele ser pequenino e parecer um peluche, o sentimento parece ser recíproco.

Esta adoração é-lhe inata. Não fomos nós que o ensinámos a gostar de crianças, nem como se deveria comportar com estas. Foi ele que nos surpreendeu ao demonstrar que já nasceu ensinado.

Lembro-me de ocasiões várias em que as suas atitudes nos deixaram simplesmente perplexos. Como os passeios, nas noites cálidas de Verão, em que íamos até ao Palácio da Vila. Nós sentados na escadaria e o puto à solta a correr que nem um foguete pelo Largo, a fazer rir os presentes. Em como havia sempre casais com miúdos que o abordavam sem medos, alguns com bebés ainda bem pequeninos, e como o Kiko, parecendo saber-se na presença de uma vida mais frágil, desacelerava, ficando numa postura calma e submissa, querendo retribuir a atenção com lambidelas.
Em várias ocasiões cheguei a vê-lo a rastejar pelo chão, para se aproximar dos petizes, muito devagarinho, com todos os cuidados.

Também me ficou gravado na memória o dia, em que estando nós na praia a brincar com uma bolinha, várias crianças se quiseram juntar à brincadeira. Durante um bom bocado lá andaram meninas e cão numa correria desvairada. Quando uma das crianças lhe queria tirar a bola da boca, ele simplesmente largava-a. Também ninguém lhe ensinou isso, e connosco não é assim tão meigo, o que para mim prova, mais uma vez, que ele sabe perfeitamente diferenciar crianças de adultos.

Há crianças por aqui, que conhecem o Kiko desde que nasceram. Como a linda bebé M. que o avô nos veio apresentar ainda muito pequenina. O Kiko lambia-lhe os pés, e ela ria-se com cócegas. Hoje já anda e quando nos vê já chama pelo "cão".

E eu fico de coração cheio ao ver a minha "criança" a brincar com outras crianças. É muito cativante assistir a esta atracção mútua, a esta empatia e entendimento que lhes parece ser tão natural.

No entanto, nunca estou menos atenta e vigilante. Confio no meu cão, mas em todas as interacções estou sempre de olho na linguagem do Kiko e no comportamento da criança.

Quando se tratam de miúdos especialmente pequenos tenho sempre o Kiko agarrado pela alça do peitoral, não vá ele querer lamber-lhes a cara e fazer com que percam o equilíbrio.
Aproveito estas ocasiões para educar as crianças sobre a forma correcta de interagir com cães. É verdade que sou uma leiga na matéria, mas não é preciso nenhum doutoramento na matéria para ter o bom senso de os avisar que não se puxam orelhas nem rabos, não se dão palmadas e muito menos pontapés, (sim, um dos miúdos Fukushima levantou-lhe a perninha uma vez, se tivesse acertado no Kiko quem lhe mordia era eu, levou uma reprimenda e acabaram-se as interacções de vez), que é preciso usar de meiguice e tranquilidade. Que o animal não é de peluche para ter que aturar coisas que o magoem ou que não goste.

Conheço minimamente bem o meu cão para saber quando já está enfadado, embora não reaja negativamente. Que se farta mais rapidamente dos miúdos que são sufocantes, abrutalhados e barulhentos. Nisso sai à sua mãezinha.
A questão é que talvez o meu cão nunca tenha reagido negativamente a nenhuma criança precisamente porque tem donos que estão atentos à sua linguagem, e que acreditam que ter a paciência devida para com as crianças não é, de forma alguma, permitir-lhes todo e qualquer abuso para com o animal, nem uma interacção sem vigilância, pelo bem de ambos.
Como, volta e meia aparecem nos media histórias tristes que envolvem crianças e cães, esta é a mensagem que gostaria de deixar.




quinta-feira, 3 de março de 2016

coisas que gosto: Subterrâneos



O termo "subterrâneos" é muito lato. Neste contexto refiro-me a uma série de infraestruturas, antigas e modernas, presentes debaixo do solo, que foram construídas com os mais variados propósitos e localizam-se por todo o globo. São túneis, labirintos, grutas, bunkers, aquedutos, estações de metro, minas, criptas, abrigos e até cidades. Há todo um outro mundo por explorar debaixo dos nossos pés.

Há infraestruturas para todos os objectivos: para reservar água, para facilitar o transporte de pessoas e mercadorias, para fins bélicos e estratégicos, para servir de abrigo tanto em caso de guerra como do clima adverso, do qual o PATH, em Toronto no Canadá, é um belo exemplo:




O recurso a infraestruturas subterrânea é tão antiga quanto o Homem, mas nota-se uma tendência contemporânea em reaproveitar espaços já existentes, (como aconteceu na Ilha Kish), e até a propensão de cada vez mais arquitectos em apresentarem conceitos subterrâneos como a derradeira solução para a falta de espaço, a elevada densidade populacional, um maior respeito pelo ecossistema. Dois exemplos são o Terminal Express Rail Link West Kowloon  - a maior estação ferroviária subterrânea do mundo, e o Earthscraper no México:




São projectos indubitavelmente impressionantes, mas não assim tão inovadores. As cidades subterrâneas são conceitos que existem há muito. Vejamos o exemplo de Cappadocia na Turquia:





Mais antiga e surpreendente ainda é a rede de túneis, da Idade da Pedra, que se estendem por toda a Europa.

Porque é que gosto de subterrâneos?

Porque sou daquelas pessoas que preferem, de longe, a amplitude visual de campos verdejantes a perder de vista a um qualquer cenário urbano, especialmente o das grandes urbes. Portanto, vejo neste conceito, (se este for possível desenvolver sem danificar o meio ambiente), uma oportunidade de ouro de mantermos até certo ponto as comodidades a que nos habituámos enquanto limpamos o mundo exterior do excesso de cimento e alcatrão, podendo devolver a muitas espécies animais os seus habitats, a reflorestar muitos dos espaços, podendo a nossa espécie usufruir também de maior qualidade de vida.
Nesta perspectiva, entendo e dou valor ao prisma "oásis subterrâneos".



quarta-feira, 2 de março de 2016

Vida de cão: Que orgulho no meu Kiko!



A história da criação dos Jack Russell Terrier está intimamente ligada à caça. Mais especificamente à caça da raposa. Os Jack, por serem rodinhas baixas, eram levados pelos caçadores na garupa do cavalo até ao local. O objectivo do criador desta raça era desenvolver um cão que se enfiasse nas tocas das raposas, e sem as agredir fosse capaz de as afugentar para que os caçadores com a ajuda de outras raças de cães as pudessem caçar.

Ora se há actividade que condeno veementemente é a caça desportiva. Acho que é uma ocupação bárbara, cruel e deixa muito má impressão sobre quem a pratica. Há milhões de coisas mais salutares com que ocupar o tempo.

Como todas mães, também eu acho que o meu menino é especial. Tem um coração tão puro que parece irradiar, e é o retrato perfeito da alegria de viver. Mas algo verdadeiramente especial é que, embora esteja irremediavelmente presente na sua genética o instinto de caçador, ele opta por não lhe dar uso.

Fica excitadíssimo quando se cruza com outros animais, mas, até ao momento, sempre com o intuito de brincar.
Corre em redor destes, ladra, atira-se para o chão naquela típica posição canina que se traduz num "vamos brincar" e prefere fugir quando os outros animais são menos simpáticos, nunca se mostrando agressivo, sejam gatos ou até... preparem-se... galinhas.

Contou o marido que ontem se cruzaram, no meio da rua, com uma das galinhas do sr. S. que havia decidido explorar o mundo para além do quintal.  Foi de tal forma um regabofe que quem passava naquela rua ficou incrédulo a assistir à cena de um cão e uma galinha a brincarem. O Kiko sendo o miúdo enérgico, excitado e chato de sempre, sempre a espicaçar para a brincadeira, mas a fugir, (embora feliz da vida), das investidas de uma senhora galinha cheia de si.






terça-feira, 1 de março de 2016

coisas de opinar: Sobre o assalto do outro dia...



Tenho a sorte de viver numa pequena localidade onde as pessoas se conhecem e se cumprimentam, onde trato todos por "vizinhos", pois sinto que é o que somos, mesmo que moremos a ruas de distância.
Distribuo e colho sorrisos e dedos de conversa com pessoas de todos os géneros e idades, num contexto de pacatez que para mim é sinónimo de qualidade de vida, refúgio, segurança e felicidade.

Num mundo infelizmente tão fértil em cenários de guerra e violência dantescos, é um absoluto e verdadeiro privilégio ser a protagonista de uma vida onde me possa dar ao luxo de me ralar com caca de cão nas ruas, pensamentos filosóficos e coisas assim. É sinal que a vida me corre de uma forma brilhante, especialmente quando comparada com a realidade de infortúnio de muitos milhões por este planeta fora. Tenho a plena consciência do quanto sou abençoada, e raro é o dia em que não me sinta grata. Mil vezes grata.

Nos meus melhores dias, desejo a todos o fim das suas tormentas, uma vida como a minha onde possam encontrar paz, alimento para o corpo e espírito.

Domingo passado não foi um bom dia.
Esta pequena e tranquila localidade foi palco de um assalto a uma carrinha de valores por parte de um grupo armado, triplo carjacking e homicídio. Cena com contornos de violência pouco habituais no nosso país, e que resultou na perda de uma vida.

Entre o politicamente correcto e a franqueza, escolho a segunda, e devo admitir o seguinte:
Qualquer ser humano, e eu não sou excepção, possui um instinto de sobrevivência e uma necessidade de ver as suas pessoas protegidas, de tal forma primal que, quando algo acontece à nossa porta, todos os outros males do mundo empalidecem e passam para segundo plano.

Não há nada mais importante que a nossa segurança e a dos nossos. Abomino tudo e todos que a coloquem em causa. De tal forma que a racionalidade, a empatia, o discernimento e a sensibilidade que devo ter demorado umas quinhentas vidas para adquirir e apurar, se evaporam em menos de nada quando a ameaça existe e é real.

Embora não aprove, consigo entender que existam pessoas, cuja vida lhes corra tão mal e se sintam tão esmagados pelas circunstâncias, tão incapazes de providenciar o básico aos seus, que possam sentir a determinada altura que não tenham alternativa à via da criminalidade. Sublinho que mesmo nas situações de maior desespero o recurso à violência é sempre uma opção. Optar pela violência, pelo terror, ceifar vidas inocentes, não é nem nunca será sinal de necessidade, mas somente de má índole. E para com estes não consigo ter nem uma réstia de piedade ou compaixão. Somente um desejo, também ele sanguinário, de retribuição.
Dizem que em nós vivem dois lobos: um ser de luz e um de sombra. Domina aquele que decidimos alimentar. Em mim, são estas situações que fazem a minha sombra tomar conta da ribalta.

Não estive lá, mas podia ter estado. Podia perfeitamente ter sido eu, uma das minhas pessoas, algum dos meus vizinhos a ter sido baleado.
E eu, que não sou boa pessoa nem nunca o afirmei ser, já comentei que, estivesse eu na A16 naquele momento provavelmente teria acelerado a fundo para os passar a ferro. Que foi uma pena terem saído ilesos do despiste. Que se tivesse sido uma das minhas pessoas a vítima mortal, que se tivessem feito de mim a viúva, a minha missão pessoal passaria a ser persegui-los até aos confins da Terra se necessário, para às minhas mãos, lhes dar um tratamento digno de Vlad, o Empalador.

Sem paninhos quentes, com toda a franqueza.