quarta-feira, 21 de junho de 2017

Pessoas de quem gosto: "A terra a quem a trabalha"



O sr. P. é um septuagenário aqui da aldeia.
Pertence ao cada vez maior grupo de pessoas que conheci, ou fui conhecendo melhor, graças ao Kiko e aos nossos passeios diários pelas ruas da localidade.

Cruzámo-nos num dia de Inverno, e lá fomos conversando rua acima, ao ritmo do Kiko e das suas deambulações pela relva.
O sr. P. tem um semblante amável, e uma postura escorreita que não deixa revelar a sua idade ao primeiro olhar.
Fala-me sempre da sua horta, com as nuances próprias de cada estação, e eu gosto de o ouvir, sobretudo pelo entusiasmo que coloca em cada frase, esteja a falar de couves tronchudas ou dos tomates que em meados de Junho já estão "deste" tamanho - e usa as mãos abertas para demonstrar o quão grandes são. De como uma boa meia dúzia deles já repousam no parapeito, a amadurecer ao sol.
Mal o conheci pensei cá para mim estar diante da prova viva de como o constante contacto com a terra, desde que seja genuinamente por paixão, gosto e prazer, é uma espécie de elixir da juventude. Que a Natureza retribui, com juros, a quem dela cuida.

O sr. P. mora numa das ruas limítrofes da aldeia, num aglomerado de casas abraçadas a montante por um vale. Algures nessa extensa linha de mato, fica a sua horta, num terreno - apressa-se a esclarecer - que não é seu, mas que não fosse este seu "passatempo", como lhe chama, estaria destinado ao silvado, embora tenha dono.
A última vez que me cruzei com este amigo, ainda não se adivinhava a enorme e dantesca tragédia de Pedrógão Grande, confessava-me a sua preocupação, partilhada por alguns vizinhos octogenários, perante a negligência dos legítimos donos dos terrenos que lhes circundam as habitações. Terrenos por limpar, com mato denso e silvas do tamanho de gente. De como uma sua vizinha, senhora idosa, lhe dizia que não fosse o sr. P. a passar com o trator e a limpar algum desses espaços, por sua iniciativa, usando do seu tempo e meios, o cenário seria pior.
Sublinhava que num desses espaços havia passado o trator fazia dois anos, e esse tempo bastou para que surgisse um verdadeiro matagal. Que era necessário voltar a limpar, e que não se vendo qualquer interesse por parte dos proprietários se sentia tentado a fazê-lo novamente, pensamento que leva ao justo desabafo da sua mulher: "Sempre os mesmos! Calha sempre aos mesmos!"

Contrapus que esse era o eterno dilema das pessoas íntegras e cumpridoras: ou se faz no lugar daqueles que teriam o dever de o fazer mas que nada fazem, ou se permite que o descalabro e o caos imperem com consequências para todos.

Nunca me fez tanto sentido o adágio propagandista que diz "a terra a quem a trabalha".


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