quinta-feira, 19 de outubro de 2017

coisas de pensar: Da bipolaridade lusitana



Um destes dias andávamos nós, humana e cão, perdoem-me a redundância, nas andanças do costume.
O canito decide finalmente aliviar-se. Para tal escolhe um pedaço de terra paralelo ao passeio que não sei adjectivar de melhor forma. Tem uma árvore e algum verde, mas não é canteiro porque não está tratado. Está pejado de trampa de outros cães e lixo humano.
Mas não se pode ser esquisito quando queremos que sua Excelência finalmente ganhe o ímpeto de se aliviar, para podermos ir descansados para casa. Então lá vou, pé ante pé, de saquinho na mão para apanhar a trampa do meu cão, quando pelo nesga do olho vejo uma das senhoras com que por vezes nos cruzamos.

Esta pára para nos cumprimentar, enquanto eu continuo no meu movimento contínuo e faço o que tenho a fazer.

Parece surpreendida pela minha acção, (como se não fosse algo que repetisse todo o santo dia), e diz-me que deixe estar, que não apanhe, que ali não faz mal e que até faz bem às plantinhas (onde andam estas?!). E eu uso da maior síntese para responder que faço questão de apanhar, que não gosto, e que não , não faz bem às plantinhas, e quem me dera que todos cumprissem com o seu dever.

Senhora apressa-se a concordar, com um enfático sim, que somos muito porcos, que na Suiça é que é!

Assim passámos, em 10 segundos, de apelar ao não cumprimento da lei, ao deixar andar, para o discurso do lá fora é que é, eles são perfeitos enquanto por aqui somos uma turba que não cumpre.

Vim para casa segura que me tinha cruzado com a personificação da nossa sociedade.



sexta-feira, 13 de outubro de 2017

coisas da casa: Introdução aos telhados vivos


Estou apaixonada pelo conceito de telhados vivos.
Parece-me bem introduzir este tema por aqui através das palavras de Maria Amélia Martins-Loução, professora catedrática da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, e do seu artigo de opinião publicado no Público a 23 de Janeiro de 2013.

Aqui se segue:

"Na Avenida do Padre Cruz, em direcção ao Campo Grande, em Lisboa, sobressai um prédio coberto de verde, como se tivesse um jardim suspenso.
A imagem é tão diferente que nos obriga a chegar perto para perceber se é cobertura viva ou pintura. Qual terá sido a ideia dos arquitectos para cobrir integralmente um prédio com vegetação? Como conseguirão manter tal estrutura? Terá sido pelo aspecto paisagístico? Será sustentável?
O elevado investimento necessário para a implementação de coberturas ajardinadas é um dos principais argumentos contra esta solução paisagista. Pelo contrário, os benefícios ambientais e estruturais são sempre esquecidos e nunca contabilizados. Do ponto de vista global para o ecossistema urbano, a presença de telhados verdes aumenta o sequestro de carbono, facilita a circulação atmosférica e, consequentemente, dispersa o calor acumulado das cidades.
Absorve a poluição atmosférica, filtrando o ar e permitindo reduzir as doenças alérgicas respiratórias. Aumenta a retenção da água das chuvas, impedindo as escorrências fortes e os riscos de inundação. Contribui ainda para a diversificação de nichos ecológicos, devolve a natureza à cidade, aumentando a diversidade vegetal e animal.

Para os edifícios, tem papel relevante, porque permite um isolamento acústico, reduz as oscilações de temperatura, prolongando a vida útil da estrutura e, consequentemente, os gastos de manutenção. Este tipo de coberturas faz com que os edifícios fiquem menos sujeitos às agressões atmosféricas, criem um sistema de impermeabilização e, como atenuam os extremos de temperatura, permitem a redução significativa do consumo energético.

O edifício junto à Avenida do Padre Cruz, em Lisboa, sede da empresa MSF (Moniz da Maia, Serra e Fortunato, Empreiteiros, SA), é uma estrutura modelar e modular. Isto é, serve de modelo para evidenciar que é possível, em plena cidade de Lisboa, construir-se um edifício cujas paredes e telhado estão cobertos de vegetação. É modular porque se trata de peças de puzzle que se ajustam e se podem substituir de acordo com a necessidade de renovação.

A Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL) pretende desenvolver um estudo-piloto experimental, instalando uma cobertura extensiva de 150 metros quadrados. Este primeiro projecto pretende ser emblemático. Por um lado, mostra que a FCUL está disposta a contribuir para a maior sustentabilidade. Por outro, possibilita o desenvolvimento de projectos de investigação em parceria com a empresa NeoTurf. Desenvolver e testar novos substratos, experimentar novas plantas e monitorizar a relação entre substrato e eficiência térmica no interior dos edifícios são alguns dos desafios propostos.

O tipo e a espessura dos substratos usados são fundamentais. Isto porque a limitação funcional de adaptação de um edifício à implantação de um telhado vivo é a sustentação. Usam-se, preferencialmente, materiais leves e reciclados. Novos substratos podem ser “redescobertos” na natureza, como as crostas onde, por exemplo, líquenes e briófitos podem crescer. O desafio é conseguir oferecer um tipo de vegetação que necessite entre três a cinco centímetros, o que constitui um ganho de investimento para o mesmo benefício ambiental.

As espécies vegetais mais usadas estão dependentes de rega para criar uma cobertura verde permanente. Exigem elevada manutenção e investimento. Mas podem ser substituídas por plantas mediterrânicas, que oferecem elevada economia de água, contribuindo para a maior diversidade de espécies e de habitats. Há toda a necessidade de educar, de explicar às pessoas que, no Verão, como nos campos, não é a cor verde que impera, mas antes um mosaico de verdes e de castanhos. É uma perspectiva sustentável de ecologia urbana.

Portugal carece de normas legais para este tipo de coberturas e não possui uma política ambiental urbana que incentive promotores e diversifique o mercado. Este é um trabalho que requer uma equipa multidisciplinar, como a que se pretende desenvolver e que pode culminar na criação de um documento normativo de referência.
Portugal necessita de diversificar o mercado e inovar a oferta sem reproduzir o que se faz lá fora. A capacidade de produzir ciência, tecnologia e inovação é um elemento central da universidade. A sua ligação a empresas e a transmissão de conhecimentos adquiridos em prol da sociedade são os novos paradigmas assumidos, com vista a aumentar o nível de conhecimento dos profissionais da área."


imagem do telhado vivo da ETAR de Alcântara






segunda-feira, 9 de outubro de 2017

coisas da casa: "As casas de Hobbit", ou tenho a impressão que encontrei a nossa futura casa



Desde o dia em que fomos ao cinema, há muitos anos atrás, ver o primeiro "Senhor dos Anéis", já perdi a conta às inúmeras vezes que verbalizei entre suspiros que o Shire é que era sítio para mim, e que me imaginaria perfeitamente feliz na casa dos Baggins - "Bag End". Portanto não é de estranhar que quando apareceu no feed da minha rede social de eleição algo com um título onde "casas de hobbit" faziam parte, tive que satisfazer a curiosidade. Curiosidade em dupla dose, graças também ao meu crescente interesse sobre arquitectura, ecologia, engenharia, sustentabilidade e inovações tecnológicas que abracem estes campos.
E foi nesse momento, num casual e fortuito click que me levou a um artigo numa qualquer e-zine que tive o primeiro contacto com as Green Magic Homes.

Ao longo dos últimos anos tenho sentido uma presença cada vez maior e mais significativa de empresas que apresentam soluções alternativas à construção convencional, com base numa filosofia onde a preocupação ambiental é um dos alicerces. É uma tendência que me inspira e me alegra, embora não sinta a mesma afinidade por todos os projectos e conceitos que já visualizei, como é natural - é o lado humano e subjectivo em acção.

O conceito das Green Magic Homes é, de uma forma resumida, serem casas compostas por módulos pré-fabricados, em que na sua composição 80% são plásticos reciclados, o que é uma óptima forma de ajudar o planeta a ver-se livre desta praga ambiental, e simultaneamente reduzir ao mínimo a pegada ambiental porque não se retiram do planeta novos materiais para a construção. Este compósito/ polímero feito destes plásticos e resinas é um material muito mais resistente e durável que o tradicional betão, não apresentando problemas de rachas, infiltrações, humidades, e dispensando manutenções.
Os materiais utilizados são totalmente seguros, inclusive a nível de emissões.
Em conjunto com os seus arcos característicos formam uma estrutura capaz de suportar sismos, tornados e outras catástrofes naturais, assim como são ideais para qualquer clima, do deserto à neve.
A cobertura de terra não só permite que a temperatura no interior ronde todo o ano os 17º celsius, como é esteticamente apelativo a colocação do telhado vivo "living roof" com espécies adequadas ao local, ou até usar esse espaço para plantar alimentos.

Mais algumas características que me agradam sobremaneira:

- Em primeiro lugar, a vertente financeira - porque sem ilusões e com toda a franqueza, o custo associado à aquisição de habitação há-de ser sempre, para a grande maioria das pessoas, não o único, mas certamente o maior obstáculo. Então obviamente que se tornam apelativas as habitações que para além de apresentarem preços competitivos em relação aos praticados no mercado imobiliário, afirmam não precisarem de manutenção como acontece com um edifício em betão, poupando-se também por aí. Só aí temos uma tremenda vantagem, especialmente quando nos lembramos, por exemplo, que a reparação/ reconstrução de um telhado "tradicional" ronda os 100 euros por metro quadrado, para além do que se poupa em chatices e preocupações.

Quão competitivos os preços? Na minha aldeia o preço ronda, neste momento, os 300/ 350 mil euros, por moradias que necessitam de renovações quase totais. O preço de uma magic home com uma área de quase 190m2, 4 quartos, 4 casas de banho, cozinha, sala de estar e de jantar, adquirido no sistema "chave na mão" fica por cerca de 161 mil euros mais iva, (se não estiver em erro, este é de 6%).
Obviamente não inclui os custos de aquisição de um terreno, mas mesmo assim...

- O segundo ponto que nos atrai é o tempo. A ideia de construir casa é agridoce: se por um lado é um sonho ver nascer algo em que foi possível opinar e decidir sobre as mais diversas características, o tempo que isso demora, (anos por vezes!), em combinação com flutuações de orçamento, e um mundo de chatices de toda a ordem a que ninguém escapa quando se mete nessas empreitadas assustam-nos e causam-nos stress.
Esta empresa afirma que entre encomendar a casa à fábrica, a sua viagem e montagem são cerca de 55 dias.

- O terceiro ponto que me agrada é o facto de existir um representante da marca em Portugal, assim como existem muitos outros distribuidores por vários países. Essa proximidade é mais que importante, é essencial, e faz com que qualquer conceito/ produto / serviço pareça imediatamente mais possível, menos abstracto. Há-de haver com certeza pessoas mais aventureiras que eu, mas para mim o acompanhamento presencial, a presença de profissionais pelo menos no mesmo país, é uma das minhas exigências. Nunca na vida teria coragem de encomendar uma casa como quem encomenda ração para o cão.
Mal posso esperar para a primeira destas casas estar concluída em território nacional para a visitar.

- O quarto aspecto é o design. Por ser modular é uma casa que pode facilmente ir sofrendo acrescentos ao longo do tempo. Embora a marca ofereça uma boa variedade de plantas pré-definidas, parece ser igualmente simples elaborar uma casa personalizada. O seu exterior e interior são apelativos, bonitos, confortáveis, -  nada a ver com as casas pré-fabricadas de há muitos anos atrás.

Este texto já está enorme - é o quanto estou entusiasmada por ter encontrado este conceito, portanto vou acabar isto com alguns vídeos. Depois, se vos apetecer, digam-me se se imaginam, ou não, numa destas casas.



GMH-Awesome from REVOLUTIONARY TECHNOLOGIES on Vimeo.











quarta-feira, 4 de outubro de 2017

coisas sobre mim: Viver com dor, ou a provável necessidade de aulas de sociabilização para humanos



Sou péssima com cronologias, em ter que dar ordem temporal às coisas, dizer com acuidade há quanto foi isto ou aquilo.

Tenho 38 anos e uma dose de caruncho em cima que quase todos os dias me faz acreditar que alguém algures meteu a pata a poça, trocou os números e os registos lá no departamento das Cárites, e fez com que as três irmãs Moiras que fiam o destino de humanos e deuses me andem a confundir com alguém de 83.
Ao longo dos últimos tempos - lá está, não me peçam para quantificar, fiquemos por mais de 2 meses e menos de 1 ano - contam-se pelos dedos de uma mão os dias que passei sem qualquer dor. Todos os outros têm a presença crónica e constante dessa sombra que sente, mais ou menos, mas sempre lá, nas pernas, nas costas, nos braços...

O ponto positivo é que nunca tive tanto tema em comum para com algumas das amigas com quem me vou cruzando nas caminhadas com o Kiko, essas verdadeiramente octogenárias.

O lado negativo de viver com o ruído branco omnipresente da dor é que esta, embora tolerável e possível de ser domada, impossibilitada de ocupar o espaço central do plateau, através da presença de espírito e autodisciplina, e pronto, analgésicos de vez em quando, (gosto de pensar que quem se cruza comigo não faz a mais pálida ideia que está a receber um sorriso da parte de alguém que está com dores desde o minuto em que acordou), é acima de tudo a diminuição de tempo e atenção que temos para os outros.

É o estar a ouvir a intervenção de um vizinho na reunião de condomínio e, passado alguns minutos não captar nada do que é dito, porque o caralho do velho não vai ao cerne da questão e decide aproveitar as luzes da ribalta para uma introdução histórica ao problema desde os tempos do Marquês de Pombal; é o desligar o chat do facebook como medida preventiva porque se se ouve mais um daqueles avisos sonoros e vai-se a ver é o enésimo contacto que decide andar a partilhar daquelas caganeiras com mensagens correntes, apelos, e merdinhas do género - uma pessoa não quer andar aí a partilhar póias com quem nos manda corações; é o já não conseguir não revirar os olhos, nem deixar de bocejar, ou ficar de olhar perdido no horizonte quando as conversas são uma seca; é o deixar para mais tarde a resposta a mensagens, mails e afins; é o não atender o telefone a um familiar porque leva-se muito a sério a regra de não nos levantarmos por algo tão menor quanto um telefone, e se ainda conversámos há poucos dias, foda-se, o que é pode haver para dizer de novo em tão curto espaço de tempo, há alguma maneira simpática de dizer que devíamos agendar as conversas para de mês a mês, de dois em dois meses?!