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terça-feira, 3 de abril de 2018
coisas de opinar: A revisão do PDM de Sintra, a história da pequena ermida e o futuro da aldeia pt.1
Há um par de semanas, mais coisa menos coisa, através de partilhas nas redes sociais, o tema Plano Director Municipal de Sintra e a sua revisão voltou a entrar no meu radar.
Pensar no PDM é, talvez mais que qualquer outra coisa, reflectir sobre a localidade onde habito, e a estratégia urbanística que gostaria de ver implementada. Tenho uma opinião forte sobretudo em relação aos erros que encontro em outras localidades do concelho e que gostaria que fossem evitados por aqui.
Não é que por aqui não existam "erros" urbanísticos. Aliás, a meu ver, a história desta pequena localidade tão próxima da sede de concelho assenta num erro crasso, ou numa sucessão destes.
Perante a premissa que todos os pedacinhos de terra têm a sua história, e alimentada pela natural curiosidade sobre a povoação que escolhemos habitar, iniciei há anos uma pesquisa.
O maior fruto que colhi da mesma é da autoria da Mestre em História de Arte, Maria Teresa Caetano, e intitula-se "A Ermida de São Romão de Lourel e a proposta de Norte Júnior".
Usarei alguns excertos da mesma para melhor descrição:
"À saída de Lourel, depois de se calcorrear serpenteante caminho submerso num imenso oceano de verdes e castanhos vivos' avista-se' finalmente, no alto de um outeiro, a ermida de São Romão (...).
Silenciosas, as velhas pedras guardam mistérios passados e 'na sua simplicidade de pequenino templo rural' evocam uma vivência há muito desaparecida. (...)
A ermida de São Romão vem já referenciada no Treslado do Lemitte (...) de 1253, (...) e a sua fundação remontará aos alvores da nacionalidade. (...) aproveitando materiais romanos anteriores ali subsistentes (...) - cumpriu primorosamente a função evangélica, cristianizando um antigo local fúnebre de culto pagão. (...)
Assim, para a edificação deste templo, orientado de nascente para poente, reutilizaram-se, (...) alguns monólitos de uma necrópole romana que ali existira, de entre os quais se destacam dois epigrafados, (datados dos séculos I e II dc) (...).
Junto à ermida terá funcionado uma necrópole medieval, (...) datando dessa mesma época a instituição de uma confraria e de uma albergaria. (...)
Em 1541, contudo, tanto a confraria como a albergaria se haviam desmembrado, pelo que: "a ermida de são Romão que he da dicta igreja de são Martinho tem huas terras de pam as quaes terras no tempo pasado eram de hua albergaria e confraria e os cônfrades eram dellas admynistradores e despendiam as Rendas das dictas terras segundo compromisso e ordenança sua a qual confraria he desfeita e nom há hay confrades pella quall rezão ficaram as ditas terras da dita ermida pera coffegimento della a saber as rendas segundo pello prelladi ffoy mandado emquanto nõ se Reformar outra veez a dicta confraria".
Desconhece-se, no entanto, se a confraria e albergaria de São Romão alguma vez chegaram a ser reformadas. Mais tarde, nas Memórias Paroquiais, de 1758, o prior António de Souza Sexas, pároco da freguesia de São pedro de penaferrim, aludiu ao lugar e à ermida de São Romão nos seguintes termos: "O Lugar de S. Romaó, que se compoem de 6 fogos em que habitaó 15 pessoas: Tem este lugar huma ermida da invocaçaó de S. Romaó, a qual está já no lemite da freguezía de S. Maria, deste arabalde de Cintra, e tem hum Eremitaó (sic), que he freguez desta minha freguezia de S. Pedro; e he administrada a Ermida, e aprezentado o ermitaó pella Collegiada de S. Martinho da Villa de Cintra".
A data de 1768 que Alves Pereira viu gravada na base do cruzeiro, de moldura simples, assinalava a vitalidade com que então se celebrava o santo. (...)
A voragem do tempo, porém, consumiu a devoção no "Santo Romano" e conduziu ao completo abandono da ermidinha que desamparada de fé e de gentes se foi arruinando, e, nos finais do século XIX, a festa que, no primeiro Domingo de Março, costumava celebrar o santo padroeiro deixou de se fazer.
O velho templo e o seu triste abandono pairava ainda na memória dos povos das redondezas, aqueles que nutriam maior devoção pelo santo patrono e, neste sentido, em 1941, Gonçalves afirmara a propósito " a reconstrução, (...) impossível, a não ser que algum benemérito pretenda restaurá-la radicalmente".
Poucos anos depois, Artur Soares Ribeiro - proprietário do casal de São Romão e de muitos dos terrenos envolventes - costumava ali reunir-se com alguns amigos, (...). Este grupo começou a interessar-se pela arruinada capela de São Romão, (...) e pensaram na sua restauração 'tendo, para tal fim, formado uma comissão ad hoc, (...)
Assim, em 1950, o Jornal de Sintra publicava, com destaque na sua primeira página, uma notícia sobre a reconstrução do templo (...)
O vogal Norte Júnior - (...) tomou a seu cargo o projecto de reedificação do edifício e, (...) a Comissão tratou de desenvolver as diligências necessárias junto das autoridades competentes."
Esta história não termina bem: o Arquitecto Norte Júnior quando contacta a Câmara Municipal de Sintra para apresentação e aprovação do projecto, aproveita para pedir, tendo em visto a natureza do mesmo, a isenção de taxas camarárias e licenças. A Câmara Municipal aprova eventualmente o projecto de recuperação do património mas insiste no pagamento das taxas, o que se torna um obstáculo, quiçá até aquele que enguiçou toda a campanha e a fadou ao insucesso.
Angariam-se mais de 10 mil escudos, (uma quantia bastante expressiva naqueles tempos), que mesmo assim não são suficientes para se erguer a que seria a Capela de São Romão. Deixam então de haver notícias sobre a Comissão e o projecto.
Ficam as plantas minuciosas do Arquitecto como testemunho do que poderia ter sido o fruto deste empreendimento.
"(...) o projecto concebido por Norte Júnior materializou - ainda que "temperado' pela sua própria época - uma moldagem muito próxima da original. Para isso, ter-se-á inspirado na arte românica, (...)
Saliente-se, por outro lado, que, apesar de ter praticamente refeito a ermidinha, parece ter havido total respeito pela estrutura pré-existente, (...) até porque as "raízes" da ermida de São Romão que aquele arquitecto tão incessantemente procurou, não se compadeceria, jamais, com a manutenção de uma estrutura "recente".
Décadas depois, nos anos 90, foi criada uma nova Comissão para a edificação de uma igreja em Lourel, visto que durante 20 anos as reuniões religiosas tinham lugar na escola básica por falta de lugar apropriado.
A que poderia ter sido uma renovada oportunidade para concretizar o projecto do reputado Arquitecto Norte Júnior, de preservar património incontavelmente mais antigo que os icónicos palácios e castelo de Sintra, e que seria uma mais-valia para a localidade e os seus habitantes, de então, de agora e de amanhã, pois poderia ser um espaço comum com aquele charme e beleza que são apanágio único das aldeias e da região, (quem não gosta do encanto de uma praça com a sua capelinha, com espaço para as pessoas se reunirem e, quem sabe até um coreto à moda antiga?!), de recuperar as festividades de São Romão que são património imaterial, peça de cultura e identidade da população, a escolha recaiu sobre a construção de uma igreja moderna, em cinzento betão, ainda inacabada, (creio eu), à beira de uma estrada movimentada com passeios quase inexistentes, onde é impossível estacionar, parar e até é perigoso para peões.
O motivo, (segundo apurei há anos numa conversa com alguém que habita na aldeia há muito tempo), não foi mais que as pessoas preferirem algo mais próximo às habitações. Ganhou a mobilidade, o comodismo, a preguiça, (que a distância não é assim tanta), e a incapacidade de valorizar o património e de planear a longo prazo.
Perdemos todos.
Se o trabalho da autoria da Mestre Maria Teresa Caetano nos dá conta que no passado distante a pequena ermida já se encontrava em ruínas, votada ao abandono, passar pela mesma em 2018 é desolador.
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