Mostrar mensagens com a etiqueta memórias. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta memórias. Mostrar todas as mensagens

sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

coisas sobre mim: A primeira coisa comprada



Ainda se lembram da primeiríssima coisa que compraram com o vosso primeiro salário?

Eu lembro.

Anos 90. Na loja de música que havia (há?) no Túnel do Tamariz, o album "K" dos Kula Shaker - o título que iniciou a colecção musical adquirida com o meu próprio dinheiro. O segundo e terceiro álbuns que adquiri foi dos Led Zeppelin e dos The Cult.

Ainda hoje adoro esses álbuns e bandas.





terça-feira, 28 de junho de 2016

coisas de opinar: Houve um dia em que acreditava em paladinos



Chega a todos o dia em que olhamos com maravilhamento para a inocência das crianças, sobretudo da criança que fomos.

Quando era criança acreditava, numa manifestação de pura inocência e idealismo, que ser jornalista era uma das ocupações mais nobres. Porque a partir do momento que as imagens de um qualquer horror fossem capturadas e difundidas ninguém poderia ficar indiferente, e seria certo que "alguém" faria algo, o quanto antes, para o resolver.

A meio do percurso do liceu, enquanto tentava visualizar que raio de carreira profissional deveria abraçar, houve uma altura em que estava determinada em me tornar repórter de guerra. Mesmo antes, assistia com uma desmesurada atenção ao noticiário da noite quando aparecia o Carlos Fino ou o Albarran. Apontava para o aparelho e dizia "é ali que quero estar", de olhos presos naquele cenário nocturno iluminado pela passagem de cometas balísticos esverdeados.
Costumava dizer que aprenderia russo e árabe. Quem diria que acabaria por ser uma espécie de profecia em relação à geografia dos conflitos!

A minha mãe perguntava-me se eu não tinha medo. E eu, com um ar muito sapiente e douto, respondia-lhe que toda a gente sabe que não se deve disparar contra os jornalistas, que é por isso que se usa um colete com "press" escrito nas costas.
O meu pai olhava-me com um ar incrédulo e divertido. Uma miúda que tem medo de aranhas e outros bicharocos, de picas, dentistas e mil outras coisas, quer ir para a guerra!

Ser jovem é também viver ébrio de idealismo. Mal seria se assim não fosse. E eu acreditava com uma força maior que os repórteres seriam aqueles a conquistar o fim das guerras e outras injustiças no mundo. Que as imagens não editadas da dor, sofrimento, perda e morte estampadas no rosto de pessoas reais seriam essenciais para que guerra deixasse de ser um conceito distante e abstracto. Que se víssemos pessoas como nós em cenários que não desejamos para ninguém, a empatia seria inevitável. Logo a mudança também.

Tenho saudades de ser assim idealista, inocente até.

O jornalismo hoje em dia desilude-me. O jornalista já não é, aos meus olhos, aquele paladino da verdade, mas simplesmente alguém como todos os outros, que tem contas para pagar e por isso é permeável a más influências. Indigna-me e causa-me asco todos os casos, grandes e pequenos, de manipulação de informação e da opinião pública. Posso não me ter tornado jornalista, mas levo a deontologia muito a sério. Acima de tudo é um enorme desrespeito pela profissão, pelas pessoas a quem deviam servir, e pelos colegas que correm grandes riscos mundo fora.

O colete com "press" escrito nas costas já não é uma armadura invencível como antes acreditei, e os jornalistas tornaram-se alvos apetecíveis. Diria que é uma profissão mais perigosa que nunca: 67 jornalistas morreram em 2015, 54 sequestrados e 153 presos. Choca-me tremendamente casos como os de Lara Logan, agredida sexualmente por uma turba de 200 homens no Cairo, e de James Foley, fotojornalista decapitado pela Isis, já para nem falar do ataque terrorista ao Charlie Hebdo.

O sonho que vos descrevi no outro dia relembrou-me de que um dia, também eu quis ser repórter. E até por motivos que acredito serem memoráveis, que me fariam abraçar a miúda que fui. Acho que esse sonho e os seus pormenores foram a expressão do meu inconsciente sobre os medos relacionados com tal profissão: hoje não me atreveria, especialmente enquanto mulher. Demasiado perigoso.

Louvo quem o faz, especialmente numa era em que não se respeitam os mínimos códigos de honra, em que a violência e a bestialidade proliferam. Uma réstia de idealismo em mim alimenta a esperança que o sacrifício de todos estes profissionais não seja em vão, e que realmente contribua para a resolução de muitos problemas no mundo.






segunda-feira, 18 de abril de 2016

cromices #126: Nós em modo wedding-planners...


Quando nos casámos optámos pela forma mais simples e prática de o fazer. Fomos os dois assinar papéis ao Registo Civil, e pimbas, feito. Passados alguns dias estávamos a embarcar com destino à lua da mel. Só quando voltámos é que fizemos um almoço, bem disposto, com a família mais próxima. Organizámos dois pequenos álbuns de fotografias que oferecemos aos nossos pais e assunto arrumado.

Foi nossa opção abdicar de tudo: alianças, flores, vestido, igreja, copo de água, lista de convidados...

Fizemo-lo não por falta de respeito a outras pessoas, mas como profundo sinal de respeito por nós mesmos. Une-nos também uma fervorosa crença que a vida é demasiado curta, e por vezes exageradamente complicada, para que se abdique da nossa vontade, da liberdade já tão rara de se fazer o que se quer, só para agradar a terceiros.

Chatices? Nenhumas. Zero. Foi, sem qualquer dúvida, um dia feliz, não só pela ocasião, mas também por termos abdicado de um casamento mais convencional, cuja organização está repleta de afazeres, pormenores e formalidades que nos stressam e enfadam até ao tutano, e que na realidade não condizem propriamente com as nossas personalidades.

Pena, pena só tivemos de não ter calhado em ano bissexto. Que tinha sido mesmo giro escolher o 29 de Fevereiro.

Quem gostou, gostou. Quem não gostou faça à sua vontade com a sua própria vida. E sejam felizes, caramba!

No entanto, tal não impede que já tenhamos, em conversa, imaginado como teríamos organizado uma festa de casamento ao nosso gosto. Isto se quiséssemos ter tido o trabalho.
Daria uma coisa assim:

Em resumo, seria uma espécie de luau havaiano numa praia.
A ementa: churrasco, muita fruta esculpida, opções vegetarianas. Cocktails coloridos, com muitas opções não alcoólicas.
Muita animação. Tendas de chill out com bean bags a pensar nas pausas. Espreguiçadeiras, zonas de sombra.

Totalmente casual, com zero formalidades, a começar pelo traje. Traje formal seria completamente proibido.
O marido acha que é um desperdício estúpido de dinheiro e tempo o quanto os convidados de um casamento gastam em roupa, sapatos, cabelo e todos os pormenores, e eu concordo. Que trouxessem fato de banho, roupa de praia, chinelos, o que acharem melhor.
Outra regra seria não dar prendas aos noivos. Quanto muito escolheríamos uma causa, uma qualquer associação, e seriam pedidos aos convidados donativos para esta.
Quanto ao vestido de noiva, nem pensar! Para mim, teria optado por um dos milhentos vestidos da secção beachwear. Para ele, no máximo, uma camisa havaiana. E de pézinho descalço na areia.

A gracinha, o toquezinho, o recuerdo para os convidados, seria alguém recebê-los com a oferta de um lei, (colar de flores havaiano) para usarem ao pescoço que depois levariam consigo.


terça-feira, 8 de março de 2016

coisas de opinar: Dia da Mulher



Hoje é um bom dia para confessar que, mais que uma vez ao longo da minha vida, desejei ter nascido homem. Pelo simples facto das coisas parecerem mais fáceis para o outro género.
Nem sempre esse desejo surgiu de acontecimentos em nome próprio. Desde criança, o que me faltava em energia e aptidões físicas, sobejava em pensamento e poder de observação. Não mudei muito, para não dizer que não mudei nada.
Muitas vezes preferia ficar em casa a ler ou a ver televisão do que ir para a rua brincar, e está ligada à televisão uma das minhas primeiras memórias sobre ter achado uma "grande seca" isto de ter nascido sob o signo feminino.

Não me lembro da minha idade exactamente, mas lembro-me de estar a assistir a um documentário sobre uma qualquer tribo africana, tão distante geograficamente como em costumes. Havia um grande festival, com danças, música e outros rituais. Jovens casadoiros faziam trinta por uma linha para caírem nas boas graças de jovens raparigas e das suas famílias. Após tudo concertado, o dote pago à família da moça, esta deveria acompanhar o esposo até à sua aldeia, onde viveria com este e com os sogros. A partir do momento em que se tornasse uma mulher casada a sua função seria tratar do marido, dos sogros e futuramente dos filhos, por toda a vida, sem objeções e com uma total obediência. Uma escrava, portanto. Pelo menos até ela se tornar também uma sogra, caso dê à luz filhos e não filhas.

É incrível o que a nossa memória decide armazenar em lugar de relevo. Lembro-me tão bem da minha reacção. De ter achado aquilo muito mal, de ter ficado indignada, de ter pensado que realmente é um grande castigo nascer mulher, e porque me haveria de ter calhado a mesma sorte. Logo a mim, ser quase indomável, com este mau feitio, esta obstinação, e esta desobediência e rebeldia inatas.

É que mesmo a minha mioleira sendo tenrinha de tão nova não demorou mais que um par de minutos a somar dois mais dois, a concluir que, embora com outras roupagens, a realidade daquelas moças africanas não era muito diferente da realidade de qualquer mulher europeia.
Assim sendo, posso afirmar que me tornei feminista ainda antes de conhecer o termo.

Recordo-me de estar a passar férias em casa de familiares, (mais uma memória de infância), e após um jantar, em que era hábito serem as mulheres a levantarem a mesa e tratarem da louça, ter-me saído num tom muito fervoroso e altivo que "não, não! Cada um leva o seu prato para a cozinha e lava-o, que não há cá criadas!"

Ou quantas vezes copiei o adágio que ouvi muitas vezes a minha própria mãe usar, enfrentando qualquer homem que me parecesse ultrapassar os limites. Fosse quem fosse, superiores hierárquicos inclusive, olhos nos olhos, nariz empinado e num tom desafiador: "Eu, com as calças do meu pai, sou duas vezes mais homem que você!"
Como quem diz, respeitinho, baixa a bolinha, que independentemente do género, vais aprender que aqui a alfa sou eu, comigo não cantas de galo ou corto-te a crista!

Rio-me ao recordar que, até conhecer o meu marido, todos os namoricos eram para mim, (embora não o confessasse claramente porque soava mal), coisas passageiras, experiências divertidas juvenis, enamoramentos sem perspectivas futuras. Se me vinham com planos sobre o futuro, na minha mente ecoava um trocista "deve ser deve, isso e sopas."
Um dia, após muita insistência aceitei conhecer uma mãe, deixando explícito que para mim não era indicador de "compromisso". O moço teve a infeliz ideia de lançar um bitaite sobre o que deveria escolher em termos de outfit para a ocasião. Rapei frio mas fiz questão de levar o meu vestido mais curto. Quão curto? Muito curto!
Diverti-me tanto, (e a senhora também, que era muito mais prá frentex que o energúmeno do descendente), que baptizei o trapo de "traje oficial para conhecer sogras".
Mais do que uma piada ou expressão de imaturidade, havia até bastante discernimento e inteligência por detrás destas minhas "saídas". Serviam-me para avaliar a pessoa, tentar captar-lhe a essência, imaginá-la noutros tempos e contextos, e pensar se teria o perfil adequado para mim. Pronto, simplificando, um "test drive".

Façam-me o grande favor de ensinar a todas as meninas das vossas vidas que, um namorado que opine sobre a sua forma de trajar é um merdas, com o potencial para se tornar um grande filho da puta, e que a única coisa que merece é ir com os porcos. Sem hesitações ou penas de qualquer espécie.

Se sempre o soube devo-o em certa parte à tal capacidade inata, mas sobretudo aos meus pais.

Entre muitas e muitas outras coisas, a minha mãe sempre se debateu com a ferocidade de uma leoa pela minha liberdade de vestir o que me desse na real gana. De tal forma, que o meu pai desistiu em pouco tempo de fazer interjeições sobre o tamanho das minhas saias.
É que o meu avô sempre foi muito severo e controlador. Nunca permitiu à minha mãe vestir uma minissaia nem prosseguir os estudos. A minha mãe fez questão que eu tivesse a liberdade e a oportunidade para ambas as coisas.

O meu pai também era severo e disciplinador, mas demonstrou, em algumas ocasiões, maior abertura do que muitos pais da sua geração. Das centenas de discursos sobre educação sexual que tive que gramar, (e que honestamente agradeço), lembro-me de um em especial. O meu favorito.
Disse-me que só eu decidiria o rumo da minha vida. Que só o meu bem estar lhe interessava. Tudo o resto são detalhes indiferentes. Casar ou nunca casar, viver junto, ou outra qualquer opção, era-lhe completamente indiferente. O importante era ter a inteligência suficiente para saber usufruir destes novos tempos, não abdicando da minha liberdade, do meu poder, das minhas escolhas por ninguém. Que hoje as mulheres não têm que ficar presas ao primeiro homem com quem dormem. Que tivesse juízo, e que me divertisse. Que tivesse bom senso, e não confiasse demasiado em homem algum, que tomasse as rédeas de todas as situações, (ênfase na prevenção), porque ainda hoje, "quem se fode é sempre a mulher".

Agradeço-lhes. Um dos resultados foi, feliz mistura de sapiência e destino, ter encontrado um parceiro para a vida que me adora precisamente pelo meu mau feitio, que se está pouco cagando para o que visto, que mais depressa lhe nasce um mamilo na testa a desenvolver algum traço de machismo ou misoginia.

Feliz dia da Mulher a todas. Celebrai hoje, que amanhã é dia de voltar a arregaçar as mangas, para que as crianças que nascem hoje, sejam no futuro, adultos melhores que nós.










quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Coisas de comer: Qual é a ementa da vossa vida?



Imaginem que vos pediriam para esboçar uma ementa com aqueles pratos que, por um qualquer motivo, sentem uma ligação emocional, vos trazem memórias. Quais seriam?

A minha ementa seria esta:

 1 - Sopas de tomate com cação, porque era algo que a minha Avó Felizarda fazia sempre que íamos visitar os meus Avós ao Alentejo. Que saudades! Nunca voltei a comer sopas tão boas como as feitas pela minha Avó.

2 - Chouriças de mel de Trás-os-Montes. Esta memória gastronómica remete-me para os meus Avós maternos, especialmente para a minha Avó Teresa. Desde pequenina que me perdia por estas chouriças doces que, embora há quem coma como sobremesa, sempre as comi acompanhadas de batata cozida. Divinal! São tão raras, que a última vez que a minha mãe as conseguiu encontrar, (embora não fossem tão boas como as da minha Avó), até me vieram as lágrimas aos olhos.

3 - Aletria à moda antiga. Para a minha Mãe não existe Natal se não houver Aletria à mesa. Faz parte das suas memórias de infância e tornou-se uma das nossas poucas tradições familiares. Uma que partilho com gosto.

4 - Arroz doce. Adoro arroz doce e ninguém o faz tão bem como o meu Pai.

5 - Sopa de feijão verde. Temo repetir-me, mas realmente a melhor é a da minha Mãe! Nunca fiz birra para comer a sopa, pelo contrário, e esta sempre foi uma das minhas favoritas.

6 - Pargo no Forno com Bacon e Batatas, cozinhado em dueto pelos meus pais. Daquelas receitas que me fazem lembrar os almoços de Domingo ao longo da minha vida, assim como as reuniões familiares em nossa casa.

7 - Peach Melba. Esta sobremesa clássica tornou-se também um clássico familiar nosso. A sobremesa predilecta dos meus pais para apresentar nas muitas ocasiões em que partilhávamos a mesa com convidados.

8 - Cozido à Portuguesa. Para mim, o expoente nacional máximo de "Comfort food". Por ser daquelas receitas tão típicas, toda a gente o sabe fazer, mas toda a gente o faz da sua maneira. Concordo a 100% com a minha Mãe quando diz que o melhor cozido tem que ter várias qualidades de couve, que em especial não pode faltar a couve portuguesa, que deve ter abundância de vegetais, carnes e enchidos de boa qualidade.
Lembro-me de chegar a casa, vinda da faculdade, por volta da 1h da manhã, esganada de fome, e a minha mãe levantar-se para me servir um bom prato de cozido, com beijinhos.

9 - Ovos mexidos com batatinhas aos cubos. Esta memória vem mesmo lá de trás, da minha infância. Quando era pequena a minha mãe servia-me este prato que consistia em batatas fritas aos cubinhos, que depois colocava na frigideira e despejava os ovos por cima. E não havia nada que eu gostasse mais!
Aliás, até levava a minha mãe a revirar os olhos de exaustão porque estava sempre a pedir-lhe ovos com batatinhas. Aliás, acho que vou voltar a pedir-lhe para me fazer uns ovinhos!

10 - Sopas de pão e leite. Antes de ter idade de ir para a escola primária, quem cuidava de mim enquanto os meus pais trabalhavam era a minha ama Gertrudes. A Gertrudes foi para mim muito mais que uma ama, e considero-a a minha terceira Avó. Como tinha que acordar muito cedo, e andava ensonada, dar-me o pequeno-almoço não era fácil. (O truque do meu pai, por exemplo, era dizer que havia uma surpresa no prato que só conseguiria ver se comesse o Nestum todo.)
Até que um dia me deu a provar sopas de pão e leite. E caramba, como eram boas!


Existem muitas mais memórias gastronómicas, mais comidas do coração. E é uma ementa que não é só composta por iguarias de um passado mais ou menos distante, mas que também inclui as memórias que vamos criando hoje, também na nossa casa, com o meu marido.
Mas isso fica para a próxima, que já vamos em duas mãos cheias.




quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

coisas de opinar: Remake do Dirty Dancing? Mas já não há nada sagrado?!



Acabei de saber aqui, no homem sem blogue, que estão a considerar fazer um remake do Dirty Dancing, em forma de telefilme com 3 horas de duração.

Qualquer mulher da minha geração vos saberá informar de antemão que o projecto vai dar caca da grossa!

Porque não há nem nunca haverá outro Dirty Dancing que não seja o original, aquele com a Jennifer Grey e o Patrick Swayze.

Nunca haverá outro Johnny Castle, nem outra Baby Houseman, a não ser todas as meninas da nossa geração que se imaginaram no seu lugar, especialmente durante a última e grandiosa coreografia que encerra o filme.
Ainda hoje, não acredito que haja alguma dessas outrora meninas que, ao rever o filme ou até uma ou outra das cenas mais icónicas, não viaje no tempo, soltando um suspiro entre o desenho de um sorriso, sentindo a presença vívida desse turbilhão de meninice.

Que gente sem imaginação, pá! Há lá necessidade de vir estragar as memórias de uma pessoa!






terça-feira, 6 de outubro de 2015

cromices #91: Numa de confissões...



Não gosto de mentir. Nunca gostei de mentir. Mas lá por não gostar não quer dizer que não o faça. Nem sequer quer dizer que não seja boa a fazê-lo.

Já disse muita mentira ao longo da vida. O que vale é que a grande maioria foram males menores, petas sem grandes consequências que pregamos aos pais, por exemplo, para nos safarmos de uma reprimenda ou castigo.

Uma das grandes vantagens dos intas é poder confessar aos meus pais, num tom totalmente casual, que durante o liceu baldava-me tanto às aulas que já estava uma autêntica profissional em falsificar a assinatura da minha mãe naqueles papelinhos próprios para justificações de faltas, que eu comprava às resmas na papelaria da escola.

O bom de terem passado quase duas décadas sobre o acontecimento é que nos rimos os três.
Confessar estas coisas não deixa de me provocar uma sensação de libertação.

segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Bucket list #6: os irmãos dos filhos únicos



Há um momento na vida de (quase) todas as crianças, em que quando os pais perguntam o que se quer como prenda de aniversário ou de natal, a resposta é um mano ou uma mana.

Também passei por isso. Mas, rapidamente mudei de ideias, e acabei por dizer à minha mãe "Olha, sabes aquilo do mano? Esquece lá isso. Fica sem efeito, está bem?! Afinal já não quero."

É que após o meu pedido, a minha mãe perguntou-me se eu tinha a certeza, e fez a questão de enumerar as responsabilidades de uma irmã mais velha.
Para mim, foi o quanto bastou para me fazer mudar de opinião. Nada daquela lista de afazeres e ufas-lufas casavam com o cenário fantasioso que havia construído mentalmente.
Sim, continuava a querer um irmão ou uma irmã, mas mais velhos que eu ou um gémeo, (sempre pensei que ter um gémeo haveria de ser do mais divertido que há!), o que era obviamente impossível.

Basicamente, acho que o queria era ter alguém, durante todo o ano, com quem pudesse viver o mesmo tipo de momentos que passava com os meus primos, quando a família se reunia.

Depois, a vida tratou de me dar tudo: irmãos e irmãs mais velhos, e até irmãs gémeas. Tudo na forma de amigos.

Um dia destes, não posso deixar de passar a oportunidade de dizer ao grupo imenso de amigos com quem cresci, cara a cara e olhos nos olhos, que fizeram sentir aquela miúda de 12 anos, tímida, insegura e cheia daquele angst próprio da idade do armário, a irmã mais nova de uma família enorme.

quarta-feira, 25 de março de 2015

Como um homem...



Hoje veio à tona uma das memórias de infância, de quando os meus avôs nos vinham visitar.
Vinha um de cada vez, por uma quinzena. Pelo simples motivo que alguém tinha que ficar a deitar um olho pela quinta. Senão quem trataria da Bonita e da Mimosa, (as vacas), ou do Rantanplan (o cão), das culturas e de todas as outras coisas?

A minha avó aproveitava sempre a viagem para visitar amigas, algumas cuja ligação datava de há décadas atrás. Eu acompanhava-a.

Eram tardes de conversas acompanhadas de chá e biscoitos, onde o meu papel era mais de observadora. Nunca me incomodou. Pelo contrário, sempre tive curiosidade e gosto em ouvir sobre o "antigamente". Silenciosamente observava-lhes tudo: os rostos, os jeitos, as expressões, e usava a minha imaginação para limpar do rosto da minha avó todas as rugas e marcas da idade. Deixar-lhe só os cabelos negros, compridos, lisos e brilhantes, e aqueles olhos verdes. Imaginá-la gaiata e ver, no cinema da minha mente, o filme das histórias que a minha avó e as amigas narravam quando falavam sobre o "antigamente", acompanhadas de chá e biscoitos.

Um dia, uma dessas senhoras dirigiu-me algumas palavras sobre a minha avó. Disse-me, com admiração espelhada no rosto, que a estimasse, que como ela não havia outra. Que a senhora minha avó, (em tempos idos num contexto difícil de entender por uma miúda dos dias de hoje), comia como um homem, mas trabalhava como um, e melhor que muitos.

Durante anos aquilo ficou-me a remoer. Muito mais tarde é que soube digerir e apreciar tamanho elogio. É que ser-se "como um homem", capaz de substitui-los nos trabalhos mais duros e exigentes fisicamente, (coisa necessária em época de guerra mundial e fascismo), e ainda destacar-se dos demais fazia da minha avó, aos olhos dos seus pares, uma supermulher.




quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Ode às relações falhadas



Quando penso nestas coisas do Amor, chego à conclusão que o Destino foi bem mais generoso e célere comigo do que alguma vez esperei.

Aliás, se me tivessem dito, jurado a pés juntos até, que iria conhecer a "tampa do meu tacho" quase no início da minha vida adulta, teria agido qual descrente, assumiria que estaria diante de alguém incrivelmente tolo.

Acho que em miúda tinha uma visão muito própria destas coisas amorosas. Lembro-me de ter lido, ainda bastante nova, vários clássicos como "Romeu e Julieta" e de concordar com Frei Lourenço, naquilo do amor dos jovens estar nos olhos e não no coração.

Embora acreditasse, ou melhor, quisesse acreditar no conceito de almas gémeas, amor eterno com todos os requintes românticos, a minha teoria era que, enquanto jovens, não estamos aptos para nada além de relações transitórias, experiências passageiras, sem grandes contornos de compromisso.
Que se ainda somos uma obra em construção, de barro mole, de matéria volátil ainda a descobrir a sua forma, entrar numa relação de cabeça, a pensar que é para sempre seria algo tremendamente irracional.

Depois fui arrebatada tão mais cedo do que antevia, e ainda bem. E só tenho a agradecer a quem nos bastidores do universo tenha puxado os cordelinhos para isso acontecer, mesmo que se tenha apressado para dar uma grande lição a uma miúda demasiado segura de si, das suas opiniões e certezas e dar uma boa gargalhada à minha custa. Acredito num Deus com sentido de humor.
Continuo sem feitio para coisas muito lamechas, mas tornei-me uma crente nesta coisa do Amor.

Não vos conto estas minhas coisas para esfregar em cara alheia a minha felicidade. O objectivo é precisamente o contrário: dar-vos esperança se esta vos falta, garantir-vos que há uma certa ordem cósmica que se disfarça de caos, assegurar-vos que tudo vai ficar bem se vos falha essa certeza.


Mesmo enquanto miúda, com as minhas teorias mirabulantes, a falta de experiência e maturidade próprios da idade, os instintos certos estavam presentes.

Já naquela altura eu olhava para todas as relações sem futuro como oportunidades de aprendizagem.

Hoje, quase nunca penso no passado, mas quando o faço é com gratidão. Não existem relações falhadas, existem relações que nos preparam para a certa, que nos ajudam a ter algumas certezas sobre quem somos e o que procuramos no próximo, as características que desejamos e aquelas que já sabemos serem incompatíveis.

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Saudades do meu Alentejo



O Cante Alentejano foi eleito Património Imaterial da Humanidade, como sabem. É uma notícia feliz, que nos orgulha.

Inevitavelmente é uma notícia que me faz pensar no Alentejo, no "meu" Alentejo.
Este é uma amálgama de memórias felizes. Imagens, cheiros, sons, sabores, emoções.
Primeiro e acima de tudo, são os meus Avós.

E hoje, por causa do Cante, penso no "meu" Alentejo, e sem querer emociono-me. Tenho tantas saudades dos meus Avós!

Passaram-se uns bons anos desde o momento em que os meus Avós partiram até que voltei a estas terras, desta vez na companhia do meu marido.
É uma daquelas coisas que nem tento explicar, talvez eu seja uma mariquinhas e pronto, não há nada a fazer, mas há sempre uma lágrimazinha fujona que tento disfarçar, quando me encontro diante daquelas planícies.


sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Coisas que gosto #13: Memórias de framboesa





Hoje de manhã, enquanto pedia o habitual galão, olhei para o televisor mudo e vi uma senhora a colher framboesas. Em segundos viajei até ao passado, aos Verões da minha infância, até aos tempos em que também eu colhia framboesas para a sobremesa, mandada pela minha Avó.







segunda-feira, 11 de agosto de 2014

coisas que gosto #12: As rosas da minha Avó



Quando era miúda, no caminho entre casa e escola, passava por uma quinta cujos muros estavam totalmente cobertos de arbustos, de onde despontavam pequenos botões de rosa que me encantavam.


Um dia, ao fazer o caminho para casa na companhia da minha avó, parámos ali mesmo, a admirá-las.


Disse-me que eram rosas de Santa Teresinha, que eram as suas favoritas.
Como a minha avó também se chamava Teresa, passaram a ser, para mim, as rosas da minha Avó, da minha Teresa, e também as minhas favoritas.


Hoje, sempre que vejo uma destas roseiras, páro para apreciá-las. É que as pessoas nunca partem totalmente deste mundo, e para mim as rosas são a minha Avó.









segunda-feira, 21 de julho de 2014

Peão vs Automobilista





Gosto muito de caminhar, da mesma forma que há quem seja apaixonado por andar de bicicleta, ou conduzir, ou surfar, ou whatever...


Tal faz com que esteja frequentemente num cenário peão vs automobilista.


Tenho uma mania, que é de tal forma parte de mim que o gesto sai naturalmente: sorrio e aceno levemente, em forma de agradecimento, aos condutores que páram nas passadeiras que atravesso.


Sim, já me disseram que não tenho que o fazer, que é obrigatório parar, e tudo isso.
Também já me perguntaram por que o fazia.


A resposta é simples. É de conhecimento geral que parar nas passadeiras pode ser obrigatório, e quem não o faz pode sujeitar-se a uma sanção. Mas por mais leis que existam, agir bem ou agir mal será sempre uma escolha pessoal.
Não imagino melhor forma de fomentar as boas escolhas que reconhecer e recompensar quem as faz.
Da minha parte, enquanto pedestre, nada mais posso fazer do que ser gentil.


E gosto muito do facto que quase todos aqueles com que me cruzo retribuem o aceno e o sorriso!




E ao contrário, como ajo?




Digamos que, na época em que tinha que atravessar a 24 de Julho todos os dias, gota a gota, o copo foi-se enchendo com as más atitudes de tantos e tantos condutores. Tanta desatenção, falta de cuidado e respeito para com os peões, mesmo numa passadeira, e com o sinal vermelho!


Um dia o copo transbordou.
Um veículo de alta cilindrada vinha de tal forma depressa, que ignorou a sinalização, e ia albarroando um grupo de pessoas que naquele momento atravessava na passadeira.
Travou a fundo, ficando a meio da mesma e a escassos centímetros de mim.


Com o coração na boca, não fui de modas. Peguei no chapéu de chuva com ambas as mãos e desatei a bater no capot, a vociferar como estava farta daquela merda, que todo o santo dia era a mesma coisa, os mesmo imbecis, perante o olhar perplexo do condutor.


Depois segui caminho. E sim, estava muito mais aliviada. O facto de ser um carro xpto também ajudou à terapia.



E com duas palavrinhas apenas...



Já trabalhei numa sapataria.


Por norma, quando apareciam clientes "estrangeiros" as minhas colegas iam-me chamar.


Numa dessas ocasiões dei por mim diante de uma família, com quem comunicar parecia uma missão impossível.


Tentei os óbvios "do you speak english", "parlez vous français", "habla español", "parla italiano".
Sem sucesso.
Atirei-me com medo ao "sprechen sie deutsch", (sou a nódoa das nódoas em alemão).
Nada.


Ouvi-os a falar entre si, e pareceram-me de leste.


Eu que não sei falar russo, atirei na mesma expressão todas as palavrinhas russas que me ocorreram: "russki gorbatchev vodka perestroika?"


Sucesso! Efusiva demonstração de alegria por parte dos clientes!


Gosto muito de uma das características do povo português: somos desenrascados como poucos.


E foi assim que usando só "da" e "nyet", (sim e não), apontando para os sapatos, usando gestos para "pequeno" e "grande", e o polegar para cima usado para indicar que era mesmo aquele par ou perguntar se estava ok, conseguimos comunicar.













sexta-feira, 18 de julho de 2014

As minhas lições





Se tivesse que partilhar um conselho de valor com o mundo, seria o seguinte:


- Ouçam sempre o vosso instinto.




Todos temos a tal vozinha interior, o chamado "sexto-sentido". A grande lição reside em aprender a não ignorá-lo. E é uma lição que se aprende à nossa própria custa, garanto-vos eu.


Todos sabemos que o senso comum e a inteligência são grandes aliados na vida, mas junte-se o valioso instinto, e seremos ainda mais bem sucedidos.
Essa "vozinha" é uma grande aliada, e pode evitar-nos alguns dissabores, grandes e pequenos.


Deixem que vos conte um episódio, em que a minha "vozinha" me salvou do que poderia ter sido um acontecimento grave.


Um dia, a pedido do meu chefe, fiquei no escritório até mais tarde do que o habitual.
Saí para apanhar o comboio já passavam das 20 horas.


Não ia contente, (isto de ser mulher, andar sozinha de transportes públicos depois de escurecer, linha de Sintra, vocês sabem...), mas relaxei mal vi que a composição ia cheia de gente, homens e mulheres, com roupa normal de trabalho.


Sentei-me num lugar junto à janela, e saquei do mp3 como de costume. Ouvir música depois de sair do escritório era a minha forma de me despir do stress laboral.


A minha estação de saída era a Portela de Sintra.


De estação em estação o comboio descarregava pessoas, praticamente ninguém entrava. Após passar por Rio de Mouro e Mercês a carruagem ficou definitivamente vazia, não fosse eu e um fulano que havia entrado nessa estação.


Naquela longa carruagem, com tantos lugares à disposição, o fulano sentou-se exactamente atrás de mim.
A minha nuca eriçou-se. Não sou paranóica, mas já tinha aprendido a ouvir o meu instinto, e se este me gritava que algo se passava ali, eu não iria cometer o erro de duvidar.


Aproveitei o facto das janelas reflectirem o interior da carruagem para o mirar, discretamente, usando a minha visão periférica. O seu aspecto não reflectia nada de extraordinário, mas estava decidida, mesmo assim, a jogar pelo seguro.


Fingi-me descontraída, trauteando vagamente a música que ouvia (quase sem som, pois já tinha baixado o volume), fazia de conta que não estava atenta à sua presença. Tratando-se de uma ameaça, acreditei ser importante que me julgasse distraída.


Comecei a levantar-me lentamente e a dirigir-me a uma das portas na outra extremidade da carruagem. Com a cabeça a mil, tentei antever os possíveis cenários. Mentalmente, tentei acordar o meu corpo, (sempre discretamente, a fingir que ia "curtindo" a minha música), afastar o cansaço, chamar toda a adrenalina e pôr-me alerta, no caso de ser preciso reagir.




 Pensei que se ele fizesse o mesmo, seria um sinal claro de más intenções. O fulano, também lentamente, levantou-se do lugar e seguiu-me.


Neste segundo agradeci ao meu instinto, e numa pose ainda o mais discreta possível, prendi o casaco em volta de um dos braços para o caso de me ter de defender de um ataque com arma branca, e chamava toda a minha energia para as pernas, para que se chegássemos a vias de facto, eu lhe desse um pontapé nos genitais com a maior força possível.
Fui ainda recordando outros possíveis golpes como usar a palma da mão para lhe empurrar a cana do nariz para dentro, ou até dedos nos olhos, pisar os dedos do pé com toda a força ou uma joelhada no plexo solar.
É o que dá ver muitos filmes de acção, mas foi o que me ocorreu. E o comboio que nunca mais chegava à Portela!


A estação da Portela estava mais próxima. Mal as portas se abriram saí a correr, primeiro para a direita, depois travei bruscamente, e desatei a correr para o lado contrário.
Fiz bem. Quando o fiz, olhei para o fulano de relance e pareceu-me haver efectivamente uma arma branca, para além que ele estava a ter a reacção de me seguir para a direita. O facto de ter mudado subitamente de direcção fez com que ele voltasse para o interior do comboio.


Os nossos olhares cruzaram-se brevemente. Fiz-lhe cara de má e o olhar mais intimidante que consegui. Estava nervosa, muito mesmo, mas tive que lhe passar a mensagem de que não sou uma presa!


Em muito graças à minha vozinha interior!











sábado, 12 de julho de 2014

Praia Grande





Há muitos anos que uma das "minhas praias" é a Praia Grande.


Continua a ser uma das minhas favoritas.


Tenho é saudades da barraquinha de pão com chouriço que existiu por lá durante tanto tempo.
Se havia forma brilhante de terminar uma ida à praia, era a trincar um daqueles pães, quentes, acabados de sair do forno.
Tão bons, que saudades, que falta fazem! Honestamente, muito mais que o par de lugares de estacionamento que ganharam com a sua ausência.





quinta-feira, 10 de julho de 2014

Tratamento vip





Trabalhei diversas vezes no atendimento ao público.
O meu primeiro "salário" ganhei-o, ainda miúda, na companhia de uma amiga e colega de liceu, a fazer embrulhos durante umas férias de Natal, no velhinho Jumbo de Cascais.


Foram, sem dúvida, uns dias bastante preenchidos e ricos em experiências: discuti com um segurança que apanhei a ser mal-educado e arrogante com uma funcionária da limpeza com idade para ser sua mãe, discuti com uma das nossas "responsáveis" que adorava armar-se ao pingarelho, tive pedidos muito estranhos por parte de clientes, como embrulhar bicicletas e tábuas de engomar, e claro, um dos maiores desafios, lidar com os "vip's", (ênfase nas aspas).




Orgulho-me tanto daquela miúda de 16 anos, por não ter sido mais uma entre tantos, no atendimento ao público, a cair no erro crasso de mudar de atitude conforme o cliente.


Verdade seja dita, pessoas do atendimento ao público, é tão feio, tão pouco profissional, sinal de tão fraca personalidade quando mostram preferência, quando rejubilam na presença de um qualquer menos anónimo, e se desdobram em sorrisos e salamaleques.
A figura ridícula de quem o faz só serve para lhes alimentar o ego e continuar a ilusão de que o mundo lhes deve tratamento especial.


Não me refiro a uma atençãozinha, um pormenor carinhoso, um sorriso mais aberto ou um discreto elogio se se trata de alguém cujo trabalho admiramos. Critico sim, aqueles que só exibem a sua melhor performance profissional na presença dos "tais", e os "tais" que esperam e exigem que tal aconteça.




O meu "tratamento especial" era, naquela ocasião, reservado sobretudo às avós. As que esperavam pela sua vez em silêncio, e isso é de valor, porque, para mim, continua a não haver nada mais parecido com uma multidão esfomeada de zombies do que pessoas às compras no Natal. As que compravam pacotinhos de meias para os netos. As sem caganças. A essas esforçava-me por lhes fazer um embrulho absolutamente perfeito, embora me tenha esforçado sempre para com todos os outros.


Lembro-me de um caso particular.

Uma senhora que, chegando com um carrinho cheio, à meia noite e meia, hora de encerramento, insistia em ser atendida. Justificou-se com um "sabe quem eu sou?!".


Decidi alinhar na brincadeira e dar-lhe corda, enquanto continuava a arrumar o meu estaminé de embrulhos, para me ir embora.


- "Sou prima do Mário Soares!"


Abri o sorriso e estendi-lhe a mão em forma de cumprimento:


- "Muito gosto. Eu sou a Ana".


Retribuiu-me o sorriso até ao momento em que a informei, que até poderia ser prima do Papa, que isso não faria o Jumbo encerrar mais tarde.


Ofereci-lhe todo o papel de embrulho e fita que conseguisse transportar. Recusou. Informei-a que poderia voltar no dia seguinte, que seria atendida com todo o préstimo. Nada.  Queria à força toda que ficasse ali à sua disposição, independentemente da hora. Deixei-a a falar sozinha.


No dia seguinte fui chamada a um gabinete. Tinha feito queixa de mim. Sorri. Soube-me a medalha de mérito, daquelas que os escoteiros recebem por boas prestações.









sábado, 12 de abril de 2014

Deixem-se de merdas, ou vão para Bagdad



Para nós, estudantes daquela universidade, Bagdad ficava a um par de passos. Ali ao lado, na mesma avenida.


Esta Bagdad não era a cidade a 4784 km de Lisboa. Era um café e um mundo, onde o pessoal madrugador devorador de sandes mistas, galões e sumos Compal, partilhava espaço e tempo com a fauna noctívaga de olhos raiados e bafo a cerveja. Na mesma bizarra harmonia coexistiam nas paredes publicidade ao bitoque da casa, ao sumo de laranja natural, às noites de karaoke e aos espectáculos de transvestismo.




Havia um certo professor que quando se passava connosco dizia algo como "vejam lá se atinam, ou vão mas é tirar cafés ali para Bagdad".  E de repente éramos miúdos de 5 anos, com a mesma reacção destes quando se fala do bicho papão.



sábado, 15 de março de 2014

Lembrança de Apolo em chamas ou, um argumento para a liberalização das drogas





Acho que não existe ninguém no mundo que não tenha perdido alguém para o buraco negro das drogas, seja um familiar, amigo, ou simplesmente um conhecido.


Durante a minha adolescência, morreram três pessoas do meu círculo alargado de amigos. Perderam-se definitivamente, sem retrocesso.
Acho que o mesmo se pode dizer daqueles que sobreviveram: perderam-se definitivamente, sem retrocesso. São uma sombra do que foram, envergam o fato pesado das marcas da dependência. Marcas indeléveis, visíveis no corpo e na psique, mesmo após o acto de enorme coragem de vencer a dependência.
São casos verdadeiramente raros aqueles que têm a benção de uma segunda oportunidade, de se apresentar ao mundo renovados, de ter outras realidades como cartão de visita, sem que a aparência os traia, ou que troquem velhos vícios por outros.




Também nós - todos aqueles que assistimos ao desperdício da vida - ficámos com uma cicatriz indelével, marca das suas histórias.


Igualmente quando penso neste tema, lembro-me de um rapaz, de quem nunca soube o nome.




Estaríamos nos anos 90. Eu, uma adolescente, ia com os meus pais em mais uma viagem até à casa dos meus avós.
No mesmo trajecto de todas as vezes, num mesmo semáforo que fechava sempre que lá passávamos, algures num ponto encardido de Lisboa onde a primeira reacção há-de ser sempre fechar os vidros e trancar o carro, lá estava ele: um jovem louro, com cabelo à Kurt Cobain, lindo, cheio de vigor, sorridente, a irradiar vida e luz e cor naquele ponto lúgubre da cidade, onde quem lá pára não é por bons motivos. Pululava por entre as várias viaturas, paradas no sinal vermelho, como se estar na rua a limpar os vidros dos carros em troca de alguns trocos fosse a melhor coisa do mundo.


Nem há palavras para como aquela contradição teve impacto em nós. A memória é volátil, e já lá vão uns bons anos, mas lembro-me do meu pai, quando abordado por aquele jovem, ter-lhe oferecido ajuda.
O rapaz sorria, e educadamente recusou. O meu pai despediu-se com um "tem cuidado, cuida-te", e com o sinal verde, fomos os três de coração apertado.


As viagens à casa dos meus avós ocorriam, mais ou menos, de dois em dois meses. Em todas as viagens víamos aquele jovem, no mesmo semáforo. Num período de cerca de um ano, talvez um pouco mais, assistimos à sua mudança: gradualmente foi-se a luz, a alegria, a vivacidade, a beleza. Em cada viagem, aquele jovem cada vez mais magro, macilento, cinzento, deixava de ser Apolo.


A última vez que o vimos, o jovem Apolo parecia um cadáver, esquelético como os protagonistas das fotos ilustrativas dos horrores do terceiro mundo, tinha imensas dificuldades em mover-se e parecia quase alheio ao que o rodeava.


Na viagem seguinte, e em todas as outras após essa, não o vimos mais.


Nunca deixarei de o lembrar, e de sentir tristeza com o seu destino, embora fosse um estranho. É impossível ficar indiferente ao desperdício da vida.




É também por ele que defendo a liberalização das drogas.
Se não é possível erradicar de vez o tráfico e o consumo das mesmas, parece-me preferível a existência de espaços assépticos e controlados pelo Estado, semelhantes a enfermarias, especificamente criados para serem o único local onde é permitido o consumo dessas substâncias. Para mim, antes assim do que a degradação de espaços públicos, de zonas que se transformam em locais chave de tráfico e consumo.
Defendo um cenário onde as drogas se vendam como um medicamento - melhor que seja o Estado a lucrar com a venda das mesmas do que os traficantes, podendo investir esses proveitos fiscais na reabilitação e tratamento de quem procure um novo rumo.
Talvez assim não existissem buracos negros espalhados pela cidade que sugam a vida de quem neles se pára, nem Apolos em semáforos.