terça-feira, 8 de março de 2016

coisas de opinar: Dia da Mulher



Hoje é um bom dia para confessar que, mais que uma vez ao longo da minha vida, desejei ter nascido homem. Pelo simples facto das coisas parecerem mais fáceis para o outro género.
Nem sempre esse desejo surgiu de acontecimentos em nome próprio. Desde criança, o que me faltava em energia e aptidões físicas, sobejava em pensamento e poder de observação. Não mudei muito, para não dizer que não mudei nada.
Muitas vezes preferia ficar em casa a ler ou a ver televisão do que ir para a rua brincar, e está ligada à televisão uma das minhas primeiras memórias sobre ter achado uma "grande seca" isto de ter nascido sob o signo feminino.

Não me lembro da minha idade exactamente, mas lembro-me de estar a assistir a um documentário sobre uma qualquer tribo africana, tão distante geograficamente como em costumes. Havia um grande festival, com danças, música e outros rituais. Jovens casadoiros faziam trinta por uma linha para caírem nas boas graças de jovens raparigas e das suas famílias. Após tudo concertado, o dote pago à família da moça, esta deveria acompanhar o esposo até à sua aldeia, onde viveria com este e com os sogros. A partir do momento em que se tornasse uma mulher casada a sua função seria tratar do marido, dos sogros e futuramente dos filhos, por toda a vida, sem objeções e com uma total obediência. Uma escrava, portanto. Pelo menos até ela se tornar também uma sogra, caso dê à luz filhos e não filhas.

É incrível o que a nossa memória decide armazenar em lugar de relevo. Lembro-me tão bem da minha reacção. De ter achado aquilo muito mal, de ter ficado indignada, de ter pensado que realmente é um grande castigo nascer mulher, e porque me haveria de ter calhado a mesma sorte. Logo a mim, ser quase indomável, com este mau feitio, esta obstinação, e esta desobediência e rebeldia inatas.

É que mesmo a minha mioleira sendo tenrinha de tão nova não demorou mais que um par de minutos a somar dois mais dois, a concluir que, embora com outras roupagens, a realidade daquelas moças africanas não era muito diferente da realidade de qualquer mulher europeia.
Assim sendo, posso afirmar que me tornei feminista ainda antes de conhecer o termo.

Recordo-me de estar a passar férias em casa de familiares, (mais uma memória de infância), e após um jantar, em que era hábito serem as mulheres a levantarem a mesa e tratarem da louça, ter-me saído num tom muito fervoroso e altivo que "não, não! Cada um leva o seu prato para a cozinha e lava-o, que não há cá criadas!"

Ou quantas vezes copiei o adágio que ouvi muitas vezes a minha própria mãe usar, enfrentando qualquer homem que me parecesse ultrapassar os limites. Fosse quem fosse, superiores hierárquicos inclusive, olhos nos olhos, nariz empinado e num tom desafiador: "Eu, com as calças do meu pai, sou duas vezes mais homem que você!"
Como quem diz, respeitinho, baixa a bolinha, que independentemente do género, vais aprender que aqui a alfa sou eu, comigo não cantas de galo ou corto-te a crista!

Rio-me ao recordar que, até conhecer o meu marido, todos os namoricos eram para mim, (embora não o confessasse claramente porque soava mal), coisas passageiras, experiências divertidas juvenis, enamoramentos sem perspectivas futuras. Se me vinham com planos sobre o futuro, na minha mente ecoava um trocista "deve ser deve, isso e sopas."
Um dia, após muita insistência aceitei conhecer uma mãe, deixando explícito que para mim não era indicador de "compromisso". O moço teve a infeliz ideia de lançar um bitaite sobre o que deveria escolher em termos de outfit para a ocasião. Rapei frio mas fiz questão de levar o meu vestido mais curto. Quão curto? Muito curto!
Diverti-me tanto, (e a senhora também, que era muito mais prá frentex que o energúmeno do descendente), que baptizei o trapo de "traje oficial para conhecer sogras".
Mais do que uma piada ou expressão de imaturidade, havia até bastante discernimento e inteligência por detrás destas minhas "saídas". Serviam-me para avaliar a pessoa, tentar captar-lhe a essência, imaginá-la noutros tempos e contextos, e pensar se teria o perfil adequado para mim. Pronto, simplificando, um "test drive".

Façam-me o grande favor de ensinar a todas as meninas das vossas vidas que, um namorado que opine sobre a sua forma de trajar é um merdas, com o potencial para se tornar um grande filho da puta, e que a única coisa que merece é ir com os porcos. Sem hesitações ou penas de qualquer espécie.

Se sempre o soube devo-o em certa parte à tal capacidade inata, mas sobretudo aos meus pais.

Entre muitas e muitas outras coisas, a minha mãe sempre se debateu com a ferocidade de uma leoa pela minha liberdade de vestir o que me desse na real gana. De tal forma, que o meu pai desistiu em pouco tempo de fazer interjeições sobre o tamanho das minhas saias.
É que o meu avô sempre foi muito severo e controlador. Nunca permitiu à minha mãe vestir uma minissaia nem prosseguir os estudos. A minha mãe fez questão que eu tivesse a liberdade e a oportunidade para ambas as coisas.

O meu pai também era severo e disciplinador, mas demonstrou, em algumas ocasiões, maior abertura do que muitos pais da sua geração. Das centenas de discursos sobre educação sexual que tive que gramar, (e que honestamente agradeço), lembro-me de um em especial. O meu favorito.
Disse-me que só eu decidiria o rumo da minha vida. Que só o meu bem estar lhe interessava. Tudo o resto são detalhes indiferentes. Casar ou nunca casar, viver junto, ou outra qualquer opção, era-lhe completamente indiferente. O importante era ter a inteligência suficiente para saber usufruir destes novos tempos, não abdicando da minha liberdade, do meu poder, das minhas escolhas por ninguém. Que hoje as mulheres não têm que ficar presas ao primeiro homem com quem dormem. Que tivesse juízo, e que me divertisse. Que tivesse bom senso, e não confiasse demasiado em homem algum, que tomasse as rédeas de todas as situações, (ênfase na prevenção), porque ainda hoje, "quem se fode é sempre a mulher".

Agradeço-lhes. Um dos resultados foi, feliz mistura de sapiência e destino, ter encontrado um parceiro para a vida que me adora precisamente pelo meu mau feitio, que se está pouco cagando para o que visto, que mais depressa lhe nasce um mamilo na testa a desenvolver algum traço de machismo ou misoginia.

Feliz dia da Mulher a todas. Celebrai hoje, que amanhã é dia de voltar a arregaçar as mangas, para que as crianças que nascem hoje, sejam no futuro, adultos melhores que nós.










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