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terça-feira, 29 de agosto de 2017

Lições da minha infância: A freira, os doces de alcaçuz, e a lição aprendida ao contrário.



Sempre que o meu pai regressava a casa do seu trabalho além-fronteiras, aproveitava a espera no aeroporto para se abastecer nas lojas duty free.
Se era obviamente uma ocasião feliz ter o meu pai em casa, saber que ele regressava com um carregamento de chocolates e outras coisas boas era ouro sobre azul.
Isto é mesmo o mundo através dos olhos de uma criança de dez anos.

Numa dessas ocasiões, houve uma novidade que me despertou mais a atenção que qualquer outra coisa: um saco de doces de alcaçuz, rolinhos numa miríade de cores gulosas com um recheio escuro.
Mal vi o rótulo reconheci o termo "liquorice" de o haver ouvido na tv, o que aumentou o meu interesse. Afinal ia experimentar algo de outra cultura, e isto há quase trinta anos não havia a oferta que temos hoje, em que em quase qualquer loja se encontra quase tudo de todo o lado.

Experimentei um, dois, e talvez o terceiro, e concluí que infelizmente alcaçuz não era para o meu palato. Os meus pais foram da mesma opinião.

Pensei que poderia haver quem gostasse. Que lá por eu não gostar, não significava que não fosse bom. Então lembrei-me, na ingenuidade própria da minha idade e na melhor das intenções, de levar aquele saco de doces para partilhar com a minha turma. Achei que seria positivo os meus colegas experimentarem algo de novo, quer gostassem ou não. Se pelo menos um deles gostasse do sabor era missão cumprida, bem melhor que os deitar fora só por não sermos apreciadores lá em casa.

Este episódio, historieta tão pequenina, desinteressante e irrelevante, ficou-me somente na memória por ter dado mote a duas lições: a que me tentaram ensinar, e a que realmente aprendi.

Confrontada pela rambóia de vinte e tal crianças a fazerem caretas com bocas cheias de alcaçuz, a Irmã achou por bem transmitir-me a lição que gesto bonito, assim mesmo bonito e de valor, é dar aos outros aquilo que mais gostamos, aquilo que consideramos que temos de melhor.

Ouvi caladinha. Abri os ouvidos, mas os dois, que é para aquilo poder entrar a cem e sair a mil.
Em primeiro lugar, porque claro que não gostei da desvalorização da minha boa intenção. Não esperava palminhas, mas um "olha, não gostei, mas obrigada na mesma" fica sempre bem.

Em segundo, porque mesmo só com dez anos, achei que a mensagem que me tentava incutir era do mais hipócrita que há.
Que era mesquinho exigirem-me, de certa forma, que eu partilhasse as minhas coisas favoritas, com um grupo de pessoas que nunca trouxe nada para partilhar.
Que ninguém, por exemplo, compra roupa nova e a doa, ficando a servir-se daquela que já tinha por casa, e que já nem lhe serve.

A lição que apreendi resume-se no velho adágio "nenhuma boa acção fica sem punição". Nunca mais levei nada para partilhar.






quinta-feira, 31 de março de 2016

coisas que recomendo: Em defesa dos arneses para crianças.



Há muitos anos atrás, era eu uma miúda de 17 /18 anos, e tinha o primeiro part-time no shopping que conciliava com as aulas de Alemão. O mundo naquela época parecia de certa forma um lugar mais seguro, mais cor-de-rosa que hoje. Em parte certamente porque não havia, como hoje, serviços noticiosos 24 horas por dia a bombardearem-nos constantemente com um léxico de horrores. Não é que as coisas não ocorressem, mas como diz o ditado "a ignorância é uma bênção." Ou simplesmente parece ser.
Por exemplo, acho que o termo "pedofilia" nunca me tinha passado pelo pensamento até ao boom mediático do caso Casa Pia, assim como o caso "Rui Pedro" se tornou um triste ícone da matéria sobre o desaparecimento de crianças. Isto, anos depois do evento que vos relato.

Uma calma manhã saio da loja para ir ao wc. Apressada, como de costume, porque convinha não demorar e queria aproveitar para também fumar um cigarro. Naquele layout particular o wc das mulheres estava mais recuado, e tínhamos sempre que passar ao lado do lavabo masculino. Enquanto ia perdida nos meus pensamentos, ocorreu, por um simples acaso, olhar para o lado durante uns segundos no momento em que passava pela porta do wc masculino. A minha vista trespassou a vidraça da vigia que enfeitava a porta e pareceu-me vislumbrar algo muito estranho.
Pareceu-me ver um adulto a cortar o cabelo a um miúdo junto dos lavatórios. A cena pareceu-me tão bizarra, tão fora do comum, que o meu cérebro teve sérias dificuldades em assimilar a coisa.

Pelo sim, pelo não, dirigi-me a um dos seguranças e descrevi-lhe o que me pareceu ter visto. Que por ser tão estranho e ter sido tão rápido, não tinha certezas absolutas mas, que preferia pecar por excesso de zelo. O segurança disse-me ter tomado a melhor opção e que voltasse à minha rotina, que eles tratariam de tudo a partir daquele momento.
Nunca soube o desfecho da história, mas é coisa que nunca mais esqueci. E que voltei a recordar de cada vez que uma criança figurava uma qualquer triste notícia.

Serve este prêambulo para nada mais que ilustrar que o perigo existe, independentemente da nossa consciência sobre tal. Não é para andarmos paranóicos, apenas conscientes do que existe um pouco por todo o lado.

Mas, hoje estou aqui para falar sobre as chamadas "trelas" para crianças. Ou melhor, para partilhar a minha perspectiva, que vem em defesa deste artefacto ainda tão criticado e incompreendido.
Para estruturar melhor o meu argumento, googlei "trelas para crianças". Fui dar a alguns blogues, (aqui e aqui), e fóruns, (como aqui e aqui).
Como em tudo as opiniões dividem-se.

A amostra constituída pelas opiniões nos links citados é um bom exemplo disto mesmo. Há quem defenda os arneses porque em criança usaram um e acharam a experiência tão positiva que agora os procuram para os filhos, ou porque já apanharam cagaços valentes e passaram a olhar para este acessório como um adjuvante para evitar situações futuras, ou ainda porque estão ou estiveram num qualquer país onde o uso deste é comum e isso bastou-lhes para não olharem para o dito com estranheza e preconceito, chegando mesmo a ver o lado prático da coisa.

Se este post tivesse um objectivo seria esse mesmo: adoraria que as pessoas olhassem para estes acessórios como sendo isso mesmo - um acessório - com a mesma naturalidade com que olham para qualquer outro, sejam as fraldas descartáveis, os ovos, tudo o resto. E sem preconceitos possam deliberar se, no seu caso, lhes é ou não útil. Tão simples quanto isso. Também houve um tempo em que se achou que as papas já preparadas e os boiões eram coisas para mães preguiçosas. Ainda há pouco tempo se olhavam para os marsupiais e slings com alguma estranheza.  Felizmente o mundo evolui: "Primeiro estranha-se, depois entranha-se".

Na amostra supra citada há quem não adira às chamadas "trelas" por isso mesmo, por acharem que no seu caso não lhes serviria de muito. E depois há aquelas opiniões que perdoem-me mas tenho que confessar que me tiram do sério pois demonstram uma ignorância, umas vistas curtas, umas palas nos olhos de todo o tamanho. São as pessoas que optam por "argumentar" afirmando que quem recorre a um acessório destes trata as crianças como cães, (infelizmente, quem dera a muitas crianças por este mundo fora terem a sorte de serem tão bem tratadas como alguns cães!), é preguiçoso, é mau progenitor e não devia ter filhos.
Infelizmente, este tipo de vozes com as suas opiniões carregadas de preconceito, julgamento e ignorância são capazes de influenciar um terceiro grupo de pais, que gostariam de experimentar o produto mas não o fazem por vergonha, porque não querem ser olhados de lado, nem serem alvos de comentários maldosos. O mais triste é que assim, pelos piores motivos, abdicam de fazer algo que aumentaria a segurança dos filhos, a sua tranquilidade e até lhes facilitaria um pouco a vida.

Confesso que os comentários onde se apelidou de preguiçosos e incapazes os pais que usam os arneses me ficaram na memória. A passearem tranquilos com a criança pela trela, como se atrevem, não é?! Como se tranquilidade e parentalidade não combinassem, como se fosse um pecado unir esses dois conceitos. Se não vos causa dor e sofrimento então é porque não estão a fazê-lo bem. Será isso?
Honestamente apetecia-me dizer-lhes "Ai é assim? Então toca a passar para cá tudo o que foi inventado para facilitar a vida aos pais! Fraldas descartáveis, toalhitas, biberões, carrinhos de bébé, tudo!"
Aliás, ao que estas pessoas chamam preguiça eu chamo inteligência. Sem esta não teríamos inúmeros confortos na nossa vida quotidiana, aos quais já nem damos o devido valor, como água potável a sair da torneira, luz ao clicar num interruptor, frigoríficos para preservar os alimentos entre tantos e tantos outros.


Porque defendo os arneses?

1º - Pela saúde das crianças:
Já ouviram falar em luxação do cotovelo ou cotovelo de ama?

2º - Pela saúde dos adultos:
Claro que é agradável andar de mão dada com as crianças, ou ampará-las enquanto dão os seus primeiros passos. No entanto acho que ninguém achará confortável fazê-lo durante longos períodos, porque nos obriga a andar tortos e curvados, com implicações óbvias para a coluna. Acho que este acessório aumenta o conforto físico de pais e avós.

3º - Explorar com segurança:
Há quem ache que as crianças fiquem demasiado restringidas quando estão com o peitoral. Eu defendo precisamente o contrário. Acho que tê-las pela mão ou no carrinho lhes diminui muito mais a liberdade. Com o peitoral, podem andar por si, explorar, ter uma certa sensação de autonomia, mas sem perigos porque estão sempre ligados ao adulto.

4º - Mais tranquilidade, menos zangas, mais diálogo:
Utilizar o arnês não implica que não se ensine à criança todas as regras de segurança, inclusive aquelas sobre como se deve circular em todos os tipos de espaços, desde como deve ter cuidado com os carros, etc.
O que acontece, na minha opinião, é que estando sempre a criança em segurança quando está a usar este acessório, os pais não andam naquele estado de frustração porque o sacana do miúdo lhes pregou 20 sustos na última hora, nem têm que andar aos berros porque este teima em afastar-se, nem recorrer à palmada.
São totalmente livres de discordar, mas eu cá acho fantástico não se ter que andar a berrar advertências de 2 em 2 minutos, nem andar sempre em stress ou a correr atrás deles, e com isso poder aproveitar as saídas para explicar tudo o que se queira que eles aprendam com calma e tranquilidade.

5º - Ninguém é infalível:
Porque as crianças são como são, até os pais ou os avós mais atentos apanharão, pelo menos uma vez na vida, um daqueles sustos. Não por falta de zelo, mas porque realmente bastam dois segundos. Sabem aqueles dois segundos que demora a abrir a carteira para sacar do cartão para pagar as compras no supermercado? Os mesmos dois segundos em que olhamos para os produtos expostos nos lineares, ou que gastamos num breve cumprimento a quem se cruza connosco, ou que sacamos do telemóvel para ver quem nos está a ligar...
Nós não somos máquinas.

6º - Porque, para além de seguro, é prático:
Não defendo que o arnês seja usado em todos os momentos. Há ocasiões específicas em que este é desnecessário. Que não se deve abusar pois é um acessório de segurança, um elo de ligação, e não um castigo.
Há ocasiões em que o acho indispensável como idas a shoppings, aeroportos, visitas a sítios a transbordar de gente (imaginem a Eurodisney, por exemplo), saídas em que só está presente um dos adultos, momentos em que terão que desviar as atenções para outra coisa que não a criança, etc.

Todos os dias vejo inúmeras mães a saírem com as suas crianças pela mão. Há muito para fazer e tratar. São poucas as pausas. Se se sentam para tomar um café, é certinho que se levantarão dezenas de vezes para agarrar os petizes irrequietos. Voltam a casa de mãos carregadas. Não há braços para tudo. Tentam controlar a marcha dos miúdos com advertências. Não é assim tão raro o dia em que a criança chegue a casa já num pranto. Houve algures no caminho uma pausa para uma palmada. Muito provavelmente porque o petiz decidiu correr na direcção da estrada. Olho para as inúmeras mães e parecem exaustas ainda nem é hora de almoço. Chegam curvadas e tortas. Tiveram que arranjar maneira de libertar uma mão para virem de mão dada, por segurança, e por isso carregam um incontável número de sacos numa só mão. E eu penso: "Mas se podia ser tão mais fácil e seguro..."

7º - Porque não são trelas, nem se parecem com estas:
Existem vários modelos. Desde os arneses, às mochilas com peluches de onde sai a tal correia que os liga aos adultos, até a duas pulseiras ligadas entre si, até modelos que servem para apoiar nos primeiros passos e mais... Basta googlar e encontrarão imensos exemplos. Escolhi apenas alguns para ilustrar.













sexta-feira, 4 de março de 2016

vida de cão: O Kiko e as crianças



O Kiko não gosta de crianças: adora! E talvez por ele ser pequenino e parecer um peluche, o sentimento parece ser recíproco.

Esta adoração é-lhe inata. Não fomos nós que o ensinámos a gostar de crianças, nem como se deveria comportar com estas. Foi ele que nos surpreendeu ao demonstrar que já nasceu ensinado.

Lembro-me de ocasiões várias em que as suas atitudes nos deixaram simplesmente perplexos. Como os passeios, nas noites cálidas de Verão, em que íamos até ao Palácio da Vila. Nós sentados na escadaria e o puto à solta a correr que nem um foguete pelo Largo, a fazer rir os presentes. Em como havia sempre casais com miúdos que o abordavam sem medos, alguns com bebés ainda bem pequeninos, e como o Kiko, parecendo saber-se na presença de uma vida mais frágil, desacelerava, ficando numa postura calma e submissa, querendo retribuir a atenção com lambidelas.
Em várias ocasiões cheguei a vê-lo a rastejar pelo chão, para se aproximar dos petizes, muito devagarinho, com todos os cuidados.

Também me ficou gravado na memória o dia, em que estando nós na praia a brincar com uma bolinha, várias crianças se quiseram juntar à brincadeira. Durante um bom bocado lá andaram meninas e cão numa correria desvairada. Quando uma das crianças lhe queria tirar a bola da boca, ele simplesmente largava-a. Também ninguém lhe ensinou isso, e connosco não é assim tão meigo, o que para mim prova, mais uma vez, que ele sabe perfeitamente diferenciar crianças de adultos.

Há crianças por aqui, que conhecem o Kiko desde que nasceram. Como a linda bebé M. que o avô nos veio apresentar ainda muito pequenina. O Kiko lambia-lhe os pés, e ela ria-se com cócegas. Hoje já anda e quando nos vê já chama pelo "cão".

E eu fico de coração cheio ao ver a minha "criança" a brincar com outras crianças. É muito cativante assistir a esta atracção mútua, a esta empatia e entendimento que lhes parece ser tão natural.

No entanto, nunca estou menos atenta e vigilante. Confio no meu cão, mas em todas as interacções estou sempre de olho na linguagem do Kiko e no comportamento da criança.

Quando se tratam de miúdos especialmente pequenos tenho sempre o Kiko agarrado pela alça do peitoral, não vá ele querer lamber-lhes a cara e fazer com que percam o equilíbrio.
Aproveito estas ocasiões para educar as crianças sobre a forma correcta de interagir com cães. É verdade que sou uma leiga na matéria, mas não é preciso nenhum doutoramento na matéria para ter o bom senso de os avisar que não se puxam orelhas nem rabos, não se dão palmadas e muito menos pontapés, (sim, um dos miúdos Fukushima levantou-lhe a perninha uma vez, se tivesse acertado no Kiko quem lhe mordia era eu, levou uma reprimenda e acabaram-se as interacções de vez), que é preciso usar de meiguice e tranquilidade. Que o animal não é de peluche para ter que aturar coisas que o magoem ou que não goste.

Conheço minimamente bem o meu cão para saber quando já está enfadado, embora não reaja negativamente. Que se farta mais rapidamente dos miúdos que são sufocantes, abrutalhados e barulhentos. Nisso sai à sua mãezinha.
A questão é que talvez o meu cão nunca tenha reagido negativamente a nenhuma criança precisamente porque tem donos que estão atentos à sua linguagem, e que acreditam que ter a paciência devida para com as crianças não é, de forma alguma, permitir-lhes todo e qualquer abuso para com o animal, nem uma interacção sem vigilância, pelo bem de ambos.
Como, volta e meia aparecem nos media histórias tristes que envolvem crianças e cães, esta é a mensagem que gostaria de deixar.




quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

cromices #61: O Santinho Padroeiro dos Descuidos ou a evolução natural das coisas



Há dois tipos de filhos: os planeados e os frutos do descuido.
Entre as pessoas que conheço, gentes das minhas relações, mais ou menos próximas, há tanto de uns como de outros, igualmente amados e bem cuidados.

Durante a nossa vida em comum já fomos questionados sobre isto de ter filhos milhares de vezes. Como em tudo, a prática leva à perfeição e já tenho uma resposta pronta que debito de forma automática, que é mais ou menos assim:
"Não temos filhos, nem estamos a considerar ter. Nunca se diz nunca. Talvez um dia mudemos de ideias. Para já, só se fosse por acidente. Mas se isso acontecesse, claro que lhe íamos dar o melhor de nós. Mas, por enquanto, está completamente fora de questão."

E dou por encerrada a questão. Ponto final parágrafo. Muda de assunto.

Os nossos pais estão mortinhos por ser avós.

Havia uma época em que todas as vezes que nos víamos era "vira o disco, e toca o mesmo" com o discurso de quando é que vem um netinho, ai que queríamos tanto um netinho, ou uma netinha. Chegava o Natal, e com este, o discurso festivo de que só faltava o menino Jesus.

A coisa chegou a ser massacrante, e quando a paciência se esgotou meti um travão na coisa. Finquei pé e disse que já chegava daquilo, que davam cabo da paciência a um morto. Que quanto mais cedo aprendessem a lidar com o facto melhor e que mudassem de assunto, que aquele já enjoava. Que "desculpem lá", mas já não podia ouvir falar da mesma coisa, e que o único resultado possível da estratégia de tentar vencer pelo cansaço seria exatamente o oposto do que pretendiam.
Que só um casal tremendamente irresponsável é que iria pôr criancinhas no mundo para satisfazer a "fome de netinhos". Que temos a consciência da imensa responsabilidade subjacente à coisa, se um dia quisermos ser pais é porque aceitámos o compromisso com tudo o que isto implica. Que a decisão é nossa, e qualquer que esta seja tem que ser respeitada. Ponto.

A coisa resultou com os meus sogros. Há bastante tempo que nem tocam no tema. Muito de vez em quando um deslize pontual por parte da minha sogra, mas morre rápido.
Se continuam a pensar nisso, não sei, talvez, é provável. Pelo menos já não puxam conversa sobre isso e eu agradeço.

Com os meus pais, pelos vistos nem tanto. Acalmaram, mas ainda continuam obcecados.

Quando a minha melhor amiga foi mãe notou-se que ficaram com esperança que, de alguma forma e por um qualquer motivo, isso me fizesse mudar de ideias.
Fizeram uma última investida, voltaram à carga. Certo dia, quando se cruzaram casualmente, chegaram a pedir-lhe se ela faria "uma forcinha" para ver se me influenciava.
Quando soube rebolei a rir. Tenho que lhes tirar o chapéu: lá persistentes são!
Tivemos uma nova conversa: que sobrinho lindo é um doce, sim senhor, mas não me fez mudar de ideias.
E dei a coisa por resolvida. De vez. Ou assim pensei eu.


Notei que ainda não, no dia que trouxemos o Kiko para casa. Estava tão entusiasmada e feliz que lhes enviei uma foto do bicharoco, com a legenda: "Parabéns. São avós. Este é o Kiko".
Pronto, falha minha, eu sei!
Na altura pensei que teria piada, e que esta questão dos netos já estava finalmente mais que resolvida. Afinal ando há mais de uma década a dizer que não. Será que só me livrarei da tormenta quando chegar a menopausa?! Chiça penico!

Tive o troco por telefone. Antes de gabarem a beleza do bicho e de quererem saber pormenores, tive que levar a reprimenda, (vá lá, merecida), que quase lhes parava o coração, que por segundos ficaram tão felizes a pensar que tinha finalmente havido um descuido, já que planeado não vamos lá! E logo de seguida, dão com a foto de um cão! Giro, fofo e tal, mas um cão!
(Eu sei, o ponto a que isto chegou!)


Só vos digo, se um dia entrar em casa dos nossos pais, e descobrir que ambos montaram um altar dedicado a um qualquer santo, que se saiba ser padroeiro dos descuidos, destruidor de contraceptivos, não fico admirada. Nada!

A lição a apreender é que mais vale declarar "bébés" um assunto tabu se quiser alguma paz e sossego. É jogar pelo seguro e evitar a todo o custo o uso de vocabulário desse universo.

Na minha cabeça continuo a pensar que hoje não, mas nunca digo nunca. Guardo-me o privilégio de mudar de opinião quantas vezes eu quiser. Mas se acontecer há-de ser por mim, por nós, porque queremos e nos sentimos aptos.

O Kiko, ou se preferirem o "cão", é para além de imensa alegria na nossa vida, o nosso bébé adorado, uma certa "evolução natural das coisas".
Um casal tem de passar com distinção isto de se ter um cão, com o imenso trabalho que dá, a paciência necessária e tudo. Tem de achar isto "peanuts", uma alegria, algo a ser repetido num esfregar de olhos, querer ainda mais do mesmo. E só depois se pode dar ao luxo de pensar sobre bébés humanos, que dão muito mais trabalho, dores de cabeça e aprisionam-nos muito mais.

Sabem o dito "primeiro uma planta, depois um peixe, depois um gato, depois um cão..."?!





sábado, 6 de dezembro de 2014

cromices #60: Ah, o cheiro a napalm logo pela manhã!



Um dia, quando for grande, quero ser uma pessoa zen. Daquelas que emanam serenidade por todos os poros e são impertubáveis, haja o que houver. Tipo Dalai Lama.

Acho que só o facto de o desejar dá claramente a entender que sou o oposto. Há momentos em que penso que, se fosse cão, era um daqueles chihuahas, em modo irritadiço e irritante.
Ou se preferirem, alguém com a disposição esperada para um cenário de guerra tipo Vietname: tensa, hirta, alerta, a voz sai com o volume mais elevado do que desejaria, e pareço pronta a apertar o gatilho à mínima coisa.

Mesmo assim o jogo não acaba a zeros. Ponto de honra por me aperceber, e por tentar melhorar.

Hoje de manhã tinha dado um jeito tremendo ser como o Dalai Lama.

Ainda estamos em período de adaptação cá por casa. A habituar-nos ao Kiko, às nova rotinas, a corresponder ao que ele necessita de nós, à cena do reforço positivo em todas as situações.

Faz hoje uma semana. Estamos felizes mas exaustos. Parecemos uns zombies.
O Kiko é óptimo, tendo em conta que é um bébé, e com donos inexperientes, porta-se lindamente. Da nossa parte, acho que também merecemos, não 20 valores, porque a ignorância tem o seu peso, mas ainda assim uma nota positiva.

Hoje de manhã, bem cedinho, o marido acorda mal-disposto. É uma intoxicação alimentar. Como ambos comemos e bebemos exactamente a mesma coisa, ando à espera da minha vez, mas a rezar para que não aconteça. É que dá um tremendo jeito que um se mantenha apto para cuidar do outro, do Kiko e de tudo o que apareça.

Fomos tomar o pequeno-almoço numa esplanada bem perto de casa, não fosse o diabo tecê-las.


Pequeno-almoço servido e chega um dos nossos amigos caninos, o Ianni, (dúvidas sobre a grafia correcta).
O Ianni é um cão com alguma idade, preto e grande. É um bom cão, como todos os cães, gostamos dele. Mas é um cão muito chato, que mói a paciência a um santo.
Chega à esplanada e anda pelas mesas a pedinchar comida. Entra no "espaço pessoal" das pessoas, ladra, excita-se, não desiste, chateia.
É claro que a culpa não é dele, é dos donos. Não lhe deram a educação devida, deixam-no andar ao deus dará, não se importam nada que existam n pessoas pela localidade que o alimentem, até lhes dá jeito, comportam-se irresponsavelmente e até já ouvi vários relatos que me fazem acreditar que não o merecem, como não lhe abrir o portão num dia de chuva e tempestade.

E eu enfureço-me com estas pessoas e já não há-de faltar muito para lhes ir bater à porta a deitar faíscas dos olhos, porque naquele minuto tenho ao meu lado um marido cadavérico por causa do mal-estar, queremos paz e sossego enquanto tomamos a nossa refeição, e há ali um cão que lá por gostarmos dele não significa que não seja um melga de primeira, com um comportamento que nenhum cão deveria ter.
E é isso que estou quase quase a ir lá dizer-lhes: que um cão é para estar em casa, bem alimentado, protegido dos elementos. Não na rua a exibir comportamentos incorrectos, a incomodar, e sobretudo a correr o risco de ser atropelado porque anda sem trela.

Entretanto marido levanta-se de repente. Diz que já volta e corre até casa. Foi vomitar.
E eu ali fico à espera dele, a olhar para o relógio do telemóvel a pensar que mais 5 minutinhos e cago nisto tudo, o cão que devore as torradas todas que eu vou para casa.
Vão aparecendo amigos e perguntam-me sobre o Kiko. Passam alguns minutinhos.

Chega um casal com um miúdo e sentam-se na mesa ao lado. Estou rodeada por uma criança e um cão tremendamente excitados. Está tudo bem.
O miúdo interpela-me. Pergunta-me se o cão é meu. Trata-me por tu. Digo que não, que não é meu.
Pergunta-me se lhe pode dar festas, e antes de eu ter tempo para responder já está em cima do cão.
Os pais nem se mexem. Eu aviso que o cão não é meu, que acho que lhe pode dar uma festinha, com cuidado e meiguice,  sem exageros. Que tudo deve acontecer sob supervisão, que não me responsabilizo.
O miúdo abusa. Eu volto a avisá-lo que tem que ser meigo. Os pais não se mexem, mas desta vez dizem-lhe qualquer coisa a respeito.
O miúdo continua a tratar-me por tu. Nem todas as crianças são assim, mas este tem modos de pigmeu abrutalhado. Nota-se que está a passar por uma fase (?) qualquer em que gosta de ser um "bocado" malcriado com os adultos, demasiado enérgico no mau sentido, que anda a testar os limites e, não vi que lhe metessem o travão nisso.

Pergunta-me pela enésima vez se o cão é meu, se não é meu de quem é, e quem é que estava sentado comigo, porque estão dois copos na mesa e só lá estou eu, e novamente se o cão é meu...

Não lhe satisfaço todas as curiosidades, era só o que faltava!
Quando não lhe quero responder, sobretudo porque não tem nada a ver com isso ou quando já lhe respondi à mesma questão demasiadas vezes, ignoro-o.
Afinal não é só o cão que precisa de treino.

Respiro fundo, esboço um sorriso. Tento ir às profundezas buscar uma paciência que hoje me falta. Mas as reservas estão em baixo, e eu acabo por lhe dizer que quando for grande deveria ir trabalhar para a Polícia Judiciária, que tem jeito para interrogatórios.
Nada mau, diga-se! - mentalmente estava pensar mais num "porra que és mesmo chato!".

Aplausos para o Ianni que se portou bem com o mini melga. Lá está, é um bom cão, só precisa que os donos se comportem melhor.

Quando se foram embora, pouco depois, dei-lhe umas festas e mais um bocado de torrada para o recompensar pela paciência.
Há tantas opiniões quanto pessoas, mas eu gostaria de ter visto pais mais assertivos. Que, com calma e carinho, guiassem o puto para outro comportamento.
Que o lembrassem de várias coisas: que não se tratam adultos, especialmente desconhecidos, por tu; que enquanto não acalmasse não se poderia chegar perto do cão para lhe dar festas, que um deles o tivesse acompanhado nisso, que ao fim de repetir três vezes a mesma pergunta o chamassem à atenção.
Volta o marido. Consegue a custo mastigar mais um naco de torrada.

Neste momento só eu ando por aqui acordada, a fazer tudo o que é necessário para que os meus dois rapazes estejam bem.