terça-feira, 29 de agosto de 2017

Lições da minha infância: A freira, os doces de alcaçuz, e a lição aprendida ao contrário.



Sempre que o meu pai regressava a casa do seu trabalho além-fronteiras, aproveitava a espera no aeroporto para se abastecer nas lojas duty free.
Se era obviamente uma ocasião feliz ter o meu pai em casa, saber que ele regressava com um carregamento de chocolates e outras coisas boas era ouro sobre azul.
Isto é mesmo o mundo através dos olhos de uma criança de dez anos.

Numa dessas ocasiões, houve uma novidade que me despertou mais a atenção que qualquer outra coisa: um saco de doces de alcaçuz, rolinhos numa miríade de cores gulosas com um recheio escuro.
Mal vi o rótulo reconheci o termo "liquorice" de o haver ouvido na tv, o que aumentou o meu interesse. Afinal ia experimentar algo de outra cultura, e isto há quase trinta anos não havia a oferta que temos hoje, em que em quase qualquer loja se encontra quase tudo de todo o lado.

Experimentei um, dois, e talvez o terceiro, e concluí que infelizmente alcaçuz não era para o meu palato. Os meus pais foram da mesma opinião.

Pensei que poderia haver quem gostasse. Que lá por eu não gostar, não significava que não fosse bom. Então lembrei-me, na ingenuidade própria da minha idade e na melhor das intenções, de levar aquele saco de doces para partilhar com a minha turma. Achei que seria positivo os meus colegas experimentarem algo de novo, quer gostassem ou não. Se pelo menos um deles gostasse do sabor era missão cumprida, bem melhor que os deitar fora só por não sermos apreciadores lá em casa.

Este episódio, historieta tão pequenina, desinteressante e irrelevante, ficou-me somente na memória por ter dado mote a duas lições: a que me tentaram ensinar, e a que realmente aprendi.

Confrontada pela rambóia de vinte e tal crianças a fazerem caretas com bocas cheias de alcaçuz, a Irmã achou por bem transmitir-me a lição que gesto bonito, assim mesmo bonito e de valor, é dar aos outros aquilo que mais gostamos, aquilo que consideramos que temos de melhor.

Ouvi caladinha. Abri os ouvidos, mas os dois, que é para aquilo poder entrar a cem e sair a mil.
Em primeiro lugar, porque claro que não gostei da desvalorização da minha boa intenção. Não esperava palminhas, mas um "olha, não gostei, mas obrigada na mesma" fica sempre bem.

Em segundo, porque mesmo só com dez anos, achei que a mensagem que me tentava incutir era do mais hipócrita que há.
Que era mesquinho exigirem-me, de certa forma, que eu partilhasse as minhas coisas favoritas, com um grupo de pessoas que nunca trouxe nada para partilhar.
Que ninguém, por exemplo, compra roupa nova e a doa, ficando a servir-se daquela que já tinha por casa, e que já nem lhe serve.

A lição que apreendi resume-se no velho adágio "nenhuma boa acção fica sem punição". Nunca mais levei nada para partilhar.






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