Será mais por vício, ritual de escapismo, ou até mera curiosidade em ver se existe no mundo real a materialização daquilo que considero a casa ideal, o meu Shangri-La, que me leva, volta e meia, a esmiuçar todo e qualquer site de mediação ou promoção imobiliária que me ocorra.
Lembro-me de um quarto motivo: é que existindo, não se deseja que esta escape. Até pode escapar, mas que seja por um motivo sólido, que por desatenção ou desconhecimento seria realmente um infortúnio.
Até à data nunca me deparei com um anúncio que me indicasse existir a materialização fiel do produto imaginado.
O mercado apresenta-me casarões em lotes minúsculos, e eu procuro exactamente o oposto: uma casa de menor área num lote que se pode considerar de generosas dimensões quando se compara com o que há por aqui.
O mercado apresenta-me casas com uma grande área total mas divididas em minúsculas divisões, que perante as minhas necessidades e gosto se tornam redundantes, inúteis e pouco práticas.
Imagino uma casa térrea, em rústico tradicional português, daquelas com bons ossos, boa estrutura, como aquelas pessoas que atingem o auge da beleza após algumas décadas, num feliz amadurecimento. Duas ou três colheres de sopa de carácter, não mais, para deixar espaço a uma nova e pessoal interpretação. Porque sei que algumas obras são inevitáveis, não gostaria é que isso implicasse uma total reconstrução do espaço. Algumas modificações, melhorias, inclusão daqueles pormenores que entram no campo do gosto pessoal e são necessários para transformar algo em nosso, sim, mas não acredito ter a tolerância e stamina necessárias para passar por todo um processo com início numa demolição.
Um pé direito não abismal, mas algo generoso: dizem que tectos baixos oprimem a psique, que limitam os sonhos e as aspirações, já os demasiado altos dão dores de costas a quem não delega as tarefas domésticas.
Ainda dos tectos, variedade: abóbodas, abobadilhas, lisas ou revestidas a tijolo burro, tectos com vigas de madeira recuperada, sólidas, robustas, e de preferência exalando aquele perfume a cedro que tanto gosto.
Janelas assumidas, mais do que simplesmente buracos que cumprem a função de deixar entrar luz. Uma ou outra com bancos de pedra embutidos como nas casas de antigamente, as chamadas namoradeiras; um par de vitrais que pinte com várias cores a luz que entra. Nada de motivos palacianos, eclesiásticos ou modernistas.
Vestidas com portadas, (quem sabe até daquelas com pequenos corações recortados), e parapeitos com floreiras. Portadas de madeira nua, ou pintadas de qualquer cor que me apeteça. Talvez amarelo luminoso, azul celeste, verde floresta, ainda não me decidi.
Janelas eficientes e estrategicamente colocadas: dos chamados túneis de luz ou janelas cúpula, que permitem a entrada de luz natural pelo telhado, a serem usadas sem parcimónia. Porque permitem aproveitar a luz natural para iluminar todo e qualquer recanto, durante todo o dia sem acréscimo na conta da electricidade. Aliás, até ajuda à poupança, (nas vertentes financeira e ecológica), e permite o luxo de se observar o céu nocturno no conforto de casa.
Obrigatoriamente uma na casa de banho - de vez em quando quererei banhos de imersão iluminados pela lua cheia.
Só porque sim, apetece-me uma janela em frente à sanita: soa-me a felicidade suprema ir à casa de banho enquanto se contempla um cenário de idílicos verdes, mas em total privacidade.
Pode parecer estúpido, mas conhecem a expressão "bliss"? O grande objectivo é mesmo esse: aplicar a filosofia em que se transformam todos os recantos da casa e actos mais básicos da existência em momentos prazeirosos.
Cantarias, aduelas e todos os rodapés em granito bujardado, que eu gosto do aspecto rústico, genuíno, com textura e um aspecto intocado. Se der para reaproveitar pedra antiga, melhor ainda.
O mercado apresenta-me casas de vários andares e mais divisões que aquelas que preciso ou quero, em lotes ridiculamente pequenos e a preços estapafúrdios filhos da especulação, muitas a precisarem ainda de uma modernização ou até renovação total. Nada disso me serve ou tenta.
Não preciso de uma casa enorme - demasiado grande só servirá para dar mais trabalho e despesa, tanto em impostos como em manutenção. Com vários andares corro o risco de não ser apropriada para a velhice - escadarias não são amigas do séniores, e eu faço questão de só mudar, (se mudar), de casa mais uma vez na vida. Também por isso não pode ser "uma" casa, mas "a" casa.
Nem grande, nem demasiado pequena. Aconchegada sem ser acanhada, soa-me bem.
Para duas pessoas e um cão basta um único quarto - mas que seja um bom quarto, com walking closet, (que eu teimo em não dispensar porque entre roupa, sapatos, roupa de cama e atoalhados há muito que arrumar e eu prefiro uma divisão quase espartana, clean, sem armários à vista).
O meu marido, (e há-de haver mais pessoas como ele), revira os olhinhos quando falo de walking closets como se fosse fruto de caganças. Pelo menos até ao momento em que lhe expliquei que a base de um bom walking closet é simplesmente espaço, alguns metros quadrados. Que com alguma criatividade e engenho fica-se com uma coisa bonita e funcional pela fracção do preço de um bom armário, com muito mais arrumação e que se pode ir modificando de acordo com as nossas necessidades.
Um quarto sobretudo com espaço de circulação suficiente em redor da cama para circular confortavelmente uma cadeira de rodas ou qualquer outra geringonça geriátrica, (ou tão simplesmente para andar com o aspirador sem desancar o bicho nas esquinas dos móveis).
Porque desconhecendo o que a vida nos trará, penso na velhice. Não só penso como planeio, tal é a minha natureza.
Gosto que seja a cor ou textura a encher o espaço ao invés de traquitanas, por isso a paleta usada aqui poderia bem ser azul meia-noite com uns toques de verde pavão e caramelo, ou não. Ou um quarto com paredes de pedra. Apetites... Não devíamos ter receio de brincar com a cor e materiais.
As habitações normalmente não estão pensadas para acompanhar as pessoas em todos os estágios da vida e é pena, para além de ser insensato e estúpido. Quero uma casa que nos possa servir bem em todas as idades e condições.
Assim sendo, e seguindo a mesma filosofia, também nos basta uma única casa de banho, juntando num amplo e luminoso espaço um duche de boas dimensões, banheira, e restantes sanitários. Linhas limpas, tudo muito funcional, pragmático e minimalista. Escolha de peças, revestimentos e afins com base na intemporalidade. Preocupação com uma boa circulação de ar para evitar acumulação de vapores e humidades. Escolha de materiais de pavimento e revestimento de grandes proporções para ter o mínimo de juntas possível - há coisas melhores na vida onde gastar o tempo do que andar com uma escovinha a esfregar mil juntas de azulejos.
Cozinha de fusão: rústica em dois terços do seu dna, o resto simples mistura daquilo que se gosta, quer tenha por base o industrial, minimalista, ou qualquer outro estilo.
Não gosto de exaustores, mesmo daqueles que nos cativam pela beleza das suas linhas depuradas e ultra-modernas. Aquele barulho, embora variável de modelo para modelo, mas constante e inevitável tira-me a tesão para cozinhar. Tornar inaudível aquele "plop... plop... plop" que sai da panela, que nos indica que se está a atingir aquele ponto de espessura e depuramento desejado, por aquele "vuuuuuuuuum". Epá, não!
Gostaria de uma chaminé grande, teatral. Larga o suficiente para que debaixo da mesma tenhamos espaço suficiente não só para a placa, como para uma zona de preparação e ter à mão especiarias, colheres de pau e mil outras coisas da arte dos tachos.
Se precisarem de uma referência para perceber melhor do que falo, lembrem-se das chaminés das cozinhas palacianas / conventuais ou das antigas casas pombalinas.
Acho-as lindas e só de as ver dá-me vontade de ir para a beira do fogão!
Uma ilha nas mesmas proporções, com tampo em mármore branco. Espaço onde qualquer receita poderá ser confeccionada a duas, quatro ou muitas mãos.
Base de armários em alvenaria, portas que passam despercebidas.
Um par de armários altos - louceiro e despenseiro encastrados.
Abdicar dos tradicionais armários de cozinha de parede em nome da harmonia. Demasiados estímulos ao nível dos olhos, especialmente quando desinteressantes esteticamente, dão a sensação de poluição visual, de claustrofobia, de se estar rodeado de tralha e de que o espaço se comprime.
Preferia usar esse espaço para mais janelas, um pequeno jardim vertical de aromáticas, um par de objectos decorativos como umas cerâmicas Bordallo Pinheiro ou aqueles potes antigos de farmácia...
Comunicação com a sala através de uma grande porta de correr tipo celeiro, dando a opção de se ter um todo um espaço comum, ou divisões separadas conforme a necessidade, vontade, momento.
As refeições tomadas sobre uma mesa com um tampo feito de um disco de árvore, absolutamente perfeito na sua natural imperfeição. Iluminada por lâmpadas Edison.
Frigorífico, máquinas de lavar, secar, detergentes, objectos vários de limpeza, e afins tudo encontra o seu lugar numa divisão adjacente à cozinha, - um misto de despensa, com lavandaria, com mud room - que por sua vez tem a sua porta para o exterior, e seria o local perfeito de entrada em casa nos dias chuvosos, quando se vem com sapatos sujos, ou acompanhados de um cão que precise urgentemente de um banho.
Falar da que seria a minha casa ideal é acrescentar-lhe obrigatoriamente uma torre. Com janelas em toda a volta para que se possa acompanhar toda a viagem do sol, do nascer ao ocaso. Para ver as estrelas, com ou sem telescópio.
Com varanda em seu redor, e uma porta de acesso a um pequeno terraço. Voltando à filosofia do "bliss", porque não perder um bocadinho a cabeça ,e colocar lá um jacuzzi para banhos de bolhinhas ao pôr do sol?
Tentar praticar ao máximo a autonomia e eficiência, a começar pela energética, através de painéis solares fotovoltaicos, uso de leds, candeeiros solares, aparelhos eficientes...
Usar de um bom número de boas práticas ecológicas. Ter um contentor de compostagem onde os resíduos orgânicos possam ser reaproveitados como fertilizante natural. Quando falo de resíduos falo das sobras da cozinha. Acho que não me estou a ver a usar uma casa de banho seca.
Em matérias de casa de banho sou muito cocó - é o lado virginiano picuínhas: de tal forma que nem me imagino confortável numa casa desligada da rede de esgotos, com fossa séptica. É bom cultivar o desapego, e parece-me muito mau feng shui viver paredes meias com um contentor de merdum. Nheca, nheca, nheca!
(continua...)
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