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terça-feira, 22 de janeiro de 2019

Anita no tinoni e o agradecimento devido


Estes últimos 2-3 anos têm sido, (qual o melhor termo?), algo "desafiantes" em termos de saúde.

Caso para dizer que não mata, mas mói. Mesmo com toda a positividade que me é inata.

Digamos que ainda ontem estava a ver um episódio de "72 dangerous places to live", que não é mais um top de locais em redor do globo largamente afectados por cheias, tornados, poluição, terramotos e todo e qualquer cataclismo que vos ocorra.
Estranhamente são lugares muito populares entre turistas em busca de adrenalina, que acham que correr riscos vale a pena para assar marshmallows em rios de lava ou passear por Chernobyl, e dei por mim a pensar "Que gente mais estúpida! Dar tão pouco valor à própria vida quase que é gozar com quem está doente!".

Para ajudar à festa, no início da semana passada comecei a sentir algumas tonturas. Nada de especial.
Vamos ser razoáveis - pensei eu - e dar uns dias a ver se isto passa, que não estou preparada para me tornar uma coninhas hipocondríaca que consulta um médico por tudo e por nada.
Já basta quando tal é inevitável. Se há coisa que me causa profundo desconforto é ir a centros de saúde, hospitais e afins e começar a pensar no universo de germes, vírus e bactérias que por lá vivem, para além dos tempos de espera, e da minha fobia de agulhas e outras ferramentas do ofício.

Chegou quinta-feira e as tonturas deram lugar a um episódio de vertigens tão dramático como nunca havia experimentado.
Depois de passar toda a manhã a tentar levantar-me sem sucesso, com a cabeça a rodar vertiginosamente em cada movimento por mais ligeiro que fosse, a única solução que me ocorreu foi telefonar para o meu marido a pedir que me chamasse um médico ao domicílio, já que nem conseguia ler a lista de contactos para ser eu própria a fazê-lo.
Em menos de nada comecei a ouvir o barulho de uma sirene a aproximar-se, e pouco depois estava acompanhada pelo meu marido e dois técnicos do INEM, de pijama, em jejum, sem sequer ter conseguido ir ao wc, a vomitar para dentro de um balde que me trouxeram após terem-me ajudado a sentar e eu ter tido o reflexo imediato de tapar a boca. Faziam-me perguntas, picavam-me o dedo, mediam-me a tensão, iam falando sempre num tom bastante sereno e tranquilizador, enquanto o meu marido me calçava meias, ténis, me vestia um casaco, lhes passava o meu cartão do cidadão...

Eu que não estou habituada a estas coisas, perguntava pelos meus óculos, lenços de papel para me limpar, indicava que queria outros ténis que não aqueles, que queria levar comigo o saco com todas as análises e exames que fiz nos últimos meses, queixava-me de ter que sair de casa naquelas figuras, (embora mais tarde tenha chegado à conclusão que não há melhor roupa que um confortável pijama e um casaco quentinho se tiverem que passar horas a fio numa maca, podem acreditar em mim). Tudo isto entremeado com mil e quinhentos "obrigadas" e "desculpem lá".
À entrada da ambulância comecei a hiperventilar: ocorreu-me que não gosto mesmo nada de hospitais, nem de picas nem nada dessas coisas.
Lembro-me de repetir uma meia dúzia de vezes ao meu marido, que assomava pela porta da viatura, quase tão pálido quanto eu: "Eu fico bem, cuida do cão."

Embora durante uma boa parte da experiência não tenha tido uma correcta noção do tempo devido ao mal estar, tive a sensação que chegámos ao destino num ápice, especialmente porque quando comecei a vomitar para dentro do saco que me deram, ligaram as sirenes e senti que íamos muito mais rápido, o que por instantes me pregou um cagaço, porque uma pessoa não é de ferro e dá por si a pensar "Ai, "Jasus"! O que é que eles pensam que eu tenho?! Mau!!!"

Voltei a vomitar na entrada para a triagem, que as macas abanam mesmo muito. Não deixa de ter alguma comicidade, (ou talvez não tenha, eu é que a procuro insistentemente porque o sentido de humor é o meu mecanismo de eleição), a situação em que o médico me vai questionando sobre o meu nome, os meus sintomas, e são os técnicos do INEM a responder por mim, porque naquele momento estava numa relação de grande proximidade com o saquinho de enjôo, ou quando me quiseram passar para uma segunda maca e eu ainda demorei um minutinho a perceber que eu é que tinha fazer esse movimento.

Se apreciarem tanto como eu este tipo de comédia iriam achar hilariante as minhas figuras durante os episódios em que me enfiaram agulhas e cateteres, - eu não estava a brincar quando disse que tinha fobia a essas coisas, (então quando tive que refazer a análise para reconfirmar os valores de potássio para me darem alta foi de gritos)!
E a dança contemporânea/ contorcionismo que fiz num dos wc do hospital para urinar dentro do copinho sem tocar em nada?!

Pouco depois de ter dado entrada, o meu marido encontrou-me deitada na maca, num corredor onde macas ocupadas por pacientes faziam fila e os acompanhantes tinham que se encostar o mais possível para dar passagem a todo o tráfego hospitalar, tapada com um lençol, a mão esquerda a agarrar o saco do enjôo, não fosse ainda precisar dele; a mão direita a segurar o cartão do cidadão, o telemóvel, guardanapos, e o saco com os exames que trazia comigo em cima das pernas, por debaixo do lençol.

Aprendi que a minha capacidade de fechar os olhos, abstrair-me e até dormitar em quase qualquer lugar é um dom maravilhoso, que me foi tremendamente útil durante as primeiras 3 horas, em que não fiz nada senão estar deitada na maca à espera. Uma habilidade tão útil quanto a capacidade de rir com tudo.

Das 14h30 às 15h30 há o período de troca de turnos, em que os acompanhantes ficam proibidos de passar para além da sala de espera, e só os doentes podem permanecer junto da área de enfermagem.
Insisti com o meu marido que durante essa altura fosse para casa, afinal que lógica tinha ele ficar afastado de mim e continuar a respirar "ar de hospital"?!
Durante essa hora a azáfama é algo diferente: há médicos e enfermeiros que passam por nós já sem bata, pois acabaram o seu turno, e caras novas que passam em sentido contrário. Enfermeiras aos pares que conversam entre si, passando informações sobre os doentes. Um grupo de pessoas de bata branca e estetoscópios no bolso ou ao pescoço que passam por todas as macas enquanto um lê para o grupo a informação sobre cada paciente, auxiliares que trocam sacos de lixo.

Mais ou menos por essa altura tive um pico de impaciência: estava em jejum, tinha sede e vontade de ir ao wc, já que a última vez tinha sido em casa, antes de ir dormir na noite anterior. Tinha alertado a duas ou três pessoas, das muitas que passaram por mim, que precisava de beber água e em breve precisaria de ajuda para ir ao lavabo, sem efeito, o que me fez sentir ignorada e irritada.

Duas macas à frente da minha estava uma senhora que também pediu para ir ao wc. Na resposta que lhe deram discerni os termos arrastadeira e fralda, e decidi que afinal não estava assim tão aflitinha e que podia muito bem aguentar.
A irritabilidade também diminuiu consideravelmente quando se aproximou a simpática senhora com o carrinho da alimentação que me deu um chá açucarado e um pacotinho de bolachas.

Deveriam ser 16h quando uma médica cruzou as portas da ala de enfermagem e chamou o meu nome. Acenei e respondi freneticamente,- "Aqui! Sou eu! Aqui, na maca!" - honestamente com um nadinha de medo que não desse por mim ali estacionada numa fila indiana de macas ao longo do corredor.
O meu marido ajudou-a a empurrar a maca para um gabinete de observação, um daqueles compartimentos delimitados por cortinas.
Leu os exames e análises que levei comigo, fez as questões da praxe quanto aos sintomas, a outros problemas de saúde e medicação, e perguntou-me se já havia tido síndrome vertiginoso.
Ora bem, já, mas há quase vinte anos! Tanto que na altura custou-me um chumbo ao exame de Auditoria de Marketing, e consequentemente à cadeira.
Pelo que me disseram, esta coisa filha da mãe, a partir do momento que ocorre uma vez, é certinho garantido que voltará mais vezes para chatear.
Explicou-me que os vómitos haviam sido fundamentais para poder assumir que era síndrome vertiginoso. A certeza era suficiente para tomar algo imediatamente, mas que se iriam fazer análises à mesma.

Mais tarde, quando já estava sentada num cadeirão na sala de tratamentos, rodeada maioritariamente por idosos, apercebi-me o quão os mais pequenos pedidos, como uma ida ao wc, são complicados naquele cenário: havia somente uma ou duas cadeiras de rodas disponíveis, claramente insuficientes. O processo de preparar cada uma daquelas pessoas para uma ida ao wc implica a chegada de uma enfermeira ou auxiliar que meta as botijas de ar a que a maioria daqueles doentes estavam ligados na cadeira, e que um acompanhante ou auxiliar estivessem disponíveis para os empurrar, já que o pessoal de enfermagem era claramente escasso e por isso essencial que continuassem a dar prioridade a outro tipo de tarefas.
Senti-me imensamente sortuda por naquele momento já ser capaz de andar, ainda que amparada pelo meu marido por uma questão de segurança, e capaz de usar os lavabos sem apoio, e ufa! sem fraldas nem arrastadeiras.

Um pouco antes das nove da noite estava a sair pelo meu próprio pé, mil vezes melhor do que entrei, na companhia do meu marido, aquele que digo há anos, e com toda a razão, que é o melhor do mundo.
No caminho para casa passámos pela farmácia de serviço, e por aquela altura já não me fazia impressão nenhuma andar em público em pijama polar às estrelinhas, ténis e kispo cor-de-rosa. 

Só no dia seguinte é que contei aos meus pais do sucedido. É claro que levei um raspanete por isso, mas não gosto de os ver aflitos e preocupados. Talvez eu seja demasiado pragmática, mas havia decidido que só em caso de ter que ficar lá internada é que os avisaria, caso contrário que bem traria a algum de nós coloca-los num estado de nervos e ansiedade?!

Digamos que foi uma experiência rica, com muitos momentos de aprendizagem.
As oito horas que estive no hospital permitiram-me observar muita coisa.

Sim, vi sistemas informáticos a crasharem e a colocaram os médicos numa pausa forçada, impedidos de ver resultados de análises, de iniciar ou terminar consultas, de passarem receitas; vi escassez de macas, de cadeiras de rodas, de lugares sentados na sala de tratamentos, de pessoal, vi casas de banho imundas, vi pessoas a desesperarem com os tempos de espera, com as dúvidas, com a fraca qualidade do sistema de chamadas de pacientes, cujo som era tão fanhoso que ninguém conseguia discernir o que era dito, vi máquinas que mal funcionavam, vi salas de espera a transbordar de gente e todos os buraquinhos ocupados por macas, como num tetris humano.

Mas, apesar de tudo isso e acima de tudo vi pessoas e as suas qualidades: vi dois bombeiros que tudo fizeram para ajudar a sua paciente e não a perderam de vista um segundo, vi uma médica que ficou mais meia-hora só para receber as minhas análises e dar-me a tão desejada alta, vi técnicos de laboratório que deram o seu melhor para refazer análises em tempo recorde, vi enfermeiras que se mantém serenas e tentam chegar a tudo e todos,  mesmo com dez pessoas a rodeá-las, sedentas de atenção, em todos os momentos; que tratam os pacientes por "queridos", nos perguntam se estamos bem, e nos dizem coisas como "preocupe-se só em ficar bem" ou "se precisar de alguma coisa, chame", que nos cobrem com um lençol e nos perguntam se estamos bem assim depois de nos aconchegar; vi aquele que só pode ser o segurança mais simpático do mundo e arredores,  e pessoas doentes e seus acompanhantes que precisando eles próprios de ajuda, estão sempre atentos aos seus semelhantes.

Saí de lá com a certeza que quando os meios materiais, as ferramentas disponíveis, atingirem o nível dos muitos exemplos de salutar humanismo que assisti, para comigo e para com outros, a saúde do SNS ficará irrepreensível.

Hoje mandei uma mensagem de agradecimento tanto ao Hospital, como ao INEM. Eu cá não esqueço quem me faz bem, e sinto que é nosso dever agradecer e assim motivar a quem tem como missão estar por nós, nas alturas em que estamos mais frágeis.


terça-feira, 1 de janeiro de 2019

Ano novo...


… cabelo novo.

Nos últimos anos deu-me para deixar crescer o cabelo. Simplesmente apeteceu-me.
Acabei por ficar com uma juba comparável, sem exageros, à da Vénus de Botticelli, visto que me cobria totalmente as costas.
E é giro ter cabelos extra-longos, brincar com eles, entrança-los, mas com o passar do tempo dar-lhes a manutenção devida começa a ser uma maçada. Só o gesto básico de pentear é algo para durar uns vinte minutos: primeiro, de cabeça para baixo, soltando e desembaraçando gentilmente os fios de cabelo com os dedos; depois aplicando um creme e penteando-os com um pente de madeira de dentes largos.
A lavagem passa a meia-hora entre aplicar shampoo, creme hidratante, amaciador, e massagens e enxaguamentos entre cada operação.

Então, há um par de dias, estava eu a olhar para o frasquinho de creme de pentear e para o meu pente especial de corrida, quando decidi que era dia de tirar umas férias capilares.

Cortei-o, mais coisa menos coisa, pelos ombros.

A sensação de ausência de peso é indescritível. Perder tanto cabelo de uma só vez dá um pouco aquela sensação de membro fantasma.

Se acreditarmos em rituais de entrada no ano novo, espero que esta sensação de leveza seja um bom mote e prenúncio para o que me espera em 2019. Acho que precisamos todos de um pouco de leveza nas nossas vidas.


sexta-feira, 23 de junho de 2017

Quando falo de amor #8


Olho para as horas. Ele está quase a chegar, a música toca.



quarta-feira, 17 de maio de 2017

coisas sobre mim: INFP #1


Segundo a Tipologia de Myers-Briggs, existem 16 tipos psicológicos. Este (INFP) é onde me enquadro. (O relacionamento interpessoal não seria tão mais fácil se nos conhecêssemos a este nível?!)






terça-feira, 11 de abril de 2017

coisas que imagino: O plano 25


Se têm por hábito visitar este humilde estaminé saberão já, de certeza, o quão acérrima defensora sou da poupança.

Imagino que só esta primeira frase é capaz de fazer revirar uns quantos olhos, afinal é um tema que tem sido estereotipado como uma seca, que soa a obrigação logo é automaticamente catalogado como chato. E isso acorda o nosso mecanismo de defesa que nos ajuda a ignorar o mais possível as coisas que nos parecem chatas, especialmente se temos essa opção, certo?!

Se vos dissesse que o desenvolvimento de hábitos de poupança não tem que ser nem chato, nem doloroso, que a construção de um pé de meia pode ser uma das melhores coisas que podem fazer por vocês e por quem mais gostam, acreditariam em mim?

Poupar é como jogar. Se algumas vez tiveram pachorra para jogar um dos muitos jogos do género do Farmville, em que era necessária paciência e persistência para ir ver das colheitas de x em x horas, e lidar com aquela mecânica de jogo, então estão mais que capacitados.

Hoje venho falar da poupança, especificamente de pés de meia, como um dos maiores gestos de amor, um dos maiores presentes.
Chamo-lhe "plano 25", (até parece mais uma daquelas dietas desenhadas por nutricionistas!), porque consiste em colocar 25€ de parte todos os meses.
Tal como dizem os nutricionistas, não é uma dieta, é um estilo de vida. E daqueles que nos permitem continuar a comer de tudo, que o pessoal não gosta de grandes sacrifícios.

Porquê 25? Para que seja acessível à grande maioria das pessoas, independentemente do seu rendimento. Aliás, a poupança é benéfica para qualquer agregado, mais ainda mais para os de baixos rendimentos.
Porque é mais fácil incutir e desenvolver hábitos de poupança que perdurem se estes não forem demasiado exigentes.

Antes de mais, vamos lá esmiuçar o que são 25 euros: uma peça de roupa ou um par de sapatos, um ingresso para um jogo de futebol ou 2 cafés por dia, uma semana de pequenos almoços de galão e torrada, ou uma refeição para dois a preço médio numa Pizza Hut, cerca de 15 imperiais, 3 ou 4 bons cocktails, 4 bilhetes para o cinema, ou depilação a cera num centro de estética, 1 ou 2 livros, etc, etc, etc...

Dá para perceber a ideia.

Vamos lá então chegar ao meu ponto favorito desta exposição: que frutos dão esses 25 euros se semeados, e onde entra a ideia do amor nisto tudo.

Imaginem que no dia em que um(a) filho(a) vosso(a) nasce, assumem de forma inabalável que seguirão o "Plano 25" à risca. Que não deixarão de cumprir o compromisso de colocar de parte os tais 25 euros por mês, que não haverão desculpas para o incumprimento, nem cederão a tentações, mesmo que surjam imprevistos.

Ao fim de 18 anos terão amealhado 5400 euros. Não é nenhuma grande fortuna, mas se usados com cabeça poderão significar uma grande ajuda numa tão significativa etapa da vida.
Por exemplo, ( e é isto que acho especialmente maravilhoso!), este pé de meia especialmente para as famílias que vivem com um orçamento apertado, e para quem seria muito complicado e até impossível pagar as propinas de uma faculdade, significa que o factor económico já não será um obstáculo.
Fosse segundo as tabelas deste ano da Universidade de Lisboa, as propinas referentes a uma licenciatura (3 anos) ficariam por 3190,41 euros.

E ainda sobram cerca de 2200 euros. Que dariam para algumas despesas de curso, ou para tirar a carta de condução e comprar um carro em segunda mão.

Não é fixe haver uma forma em que todos os pais, independentemente do seu salário, possam oferecer tudo isto a um filho?!
Há um bom tempo atrás, numa conversa com uma amiga, esta defendia que se não fosse o pequeno crédito, e os pagamentos a prestações, muitas pessoas não conseguiriam comprar uma montanha de coisas, tipo famosos robots de cozinha, aspiradores "mágicos" caríssimos e afins. Eu hei-de sempre defender a poupança à mesma. A poupança é como o pagamento a prestações dos jogadores de xadrez: como estes, a pessoa prevê e adianta-se, com a vantagem de se poder pagar a pronto e sem juros.

Se os avós tiverem vontade e possibilidade de participar neste "Plano 25", estamos a falar de mais 10800 euros. E se houver tios que se juntem estaremos a falar de 16200, 21600...

Para os jovens que planeiam com antecedência pode significar ter já de parte o valor para dar como entrada na aquisição de habitação própria. Para os mais empreendedores, o valor necessário para dar origem a um negócio. Para os mais independentes, a possibilidade de ir explorar a vida noutras paragens, ou de serem trabalhadores estudantes, numa casa alugada, com a segurança de terem uma almofada que os ajude nas despesas, especialmente nos momentos maus.
Tantas, tantas possibilidades, e tão significativas para qualquer jovem adulto, possíveis quando, por amor, pessoas da sua rede familiar decidem abdicar de 1 café por dia durante 18 anos.










sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

cromices #145: As pessoas são como o caviar, ou todas as moedas têm duas faces.



A minha Mãe tem vários apelidos carinhosos com que me trata. O meu favorito foi sempre, de longe, o de "bruxinha". Sem saber deste pormenor, o meu marido também me trata por um cognome muito semelhante, e a ambos respondo "bruxinha não, bruxa má da floresta, faz favor!", antes de me desmanchar a rir.

Agora lembrei-me que também gosto de "ursa na gruta" de tal forma que estamos perante um empate.
De qualquer modo, são ambos petit noms que me assentam que nem uma luva, e que uso ao peito como um crachá com um desmedido, e talvez exagerado, prazer.
Para além de lhes achar piada acho que revelam parte da minha natureza, especialmente a parte relacionada com introversão e o meu afincado gosto por passar tempo comigo própria, em casa de preferência, perdida em leituras, projectos e pensamentos ou até num estado de graça de dolce far niente.

"Credo! Mas és assim, tão... tão anti-social?!" - perguntarão. Ao que eu responderia, "tem dias". Ou melhor ainda, "tem momentos".

Nada define melhor o meu lado lunar de que a memória de quando li pela primeira vez o "Assim falou Zaratustra". Estava a meio da minha adolescência e a primeira coisa que me ocorreu foi uma inveja do personagem: "Cabrão do velho! Sortudo do caraças! Desce à aldeia só quando lhe apetece mandar uns bitaites e depois volta para a gruta, onde ninguém o chateia!"
Também quero viver numa gruta, pensava eu. É claro que esta teria que ter todos os confortos, do wc ao wi-fi.

Ou ainda uma memória de quando teria uns 3 ou 4 anos, e ia com a minha mãe às compras pela mão, e volta e meia encontrávamos uma senhora na rua, e esta insistia no "dá cá um beijinho", o que era uma autêntica maçada para mim, e eu escondia-me atrás das pernas da minha mãe. E mesmo assim o raio da mulher não se calava com a trampa do beijinho, o que resultou numa espécie de reacção pavloviana, comigo a queixar-me que não queria beijinhos e que ela era chata mal a topava no fundo da rua.
Na verdade comecei a enfadar-me tanto, mas tanto, com a insistência geral em relação a isso dos beijinhos a toda a hora e a todo o momento, que um dia passei-me dos carretos e mordi a bochecha de uma menina, depois de minutos com a minha ama, a mãe da menina e até esta a instar na coisa. E eu, truncas, toma lá! Uma espécie de grito do Ipiranga, de "deslarguem-me a braguilha!"

Não é que não gostasse ou goste de beijinhos, apenas nasci a dar valor à liberdade de os dar quando e a quem quero. Aqueles que eu poupava na rua, levava-os para casa e para sofrimento do meu pai, dava-lhos todos de uma virada. Sentava-me no seu colo, prendia os meus bracitos à volta do seu pescoço, e dizia-lhe "Papá, vou-te dar cinquenta beijos", e o desgraçado do meu pai não se livrava de mim nem um beijo antes.

Quanto aos tipos sociais eu quedo-me exactamente no meio, qual equilibrista na linha que separa a introversão da extroversão que ora pende para um lado ou para o outro.
Há quem só conheça o meu lado mais cordial, simpático, empático, sorridente, conversador, paciente e atenta ao próximo q.b.. Há momentos em que consigo ser tão faladora e maçadora como qualquer outra pessoa, e até demonstro uma comum tendência para a repetição e uma particular incidência nas piadas secas.
São os momentos em que consigo e quero canalizar a minha energia para o mundo exterior, tão genuínos e parte de mim quanto os instantes em que a minha atenção se vira para dentro, para o mundo interior, para mim mesma, e se fecha ao que vem de fora.

São faces da mesma moeda, um não existe sem o outro. Em mim, com tudo o que isso implica, não existe lado solar sem lado lunar. Quando não respeitam o meu lado lunar, a face solar eclipsa-se.

Quando tenho que interagir gosto especialmente de o fazer com a minha faceta solar. Gosto genuinamente de pessoas e é igualmente verdadeiro o sorriso que ponho na cara para todos. Existe um esforço da minha parte para dar o meu melhor nessas ligações, para prestar mesmo atenção às conversas, e demonstrar real interesse mesmo que o tópico não seja dos meus favoritos, ou que já esteja a ouvir pela segunda ou terceira vez o mesmo discurso. Obrigo-me a estar disponível, presente, a ser tão positiva quanto consiga, porque acho que é assim que tem que ser, que tanto eu como as outras pessoas merecem essa qualidade, essa intenção, aquando os nossos contactos. Não se trata de fingimento, mas de canalizar o melhor que temos para oferecer naquele determinado momento.

E há quem só me conheça assim: basicamente são as pessoas que me permitem apreciá-las como caviar, ou qualquer outra iguaria especial que preste à metáfora por se dever degustar com parcimónia, uma colherzinha de cada vez.

São as que entendem que não devem insistir em mais chamadas quando desligo a primeira, porque depois da segunda tentativa, especialmente se for de seguida, sou bem capaz de desligar o telemóvel durante uma semana. Que quando digo não ter disponibilidade para vídeo chamadas naquele momento, e voltam a insistir, fazem com que me desligue de qualquer chat por tempo indeterminado. Que quando se cruzam comigo saberão que há dias em que não dá para mais que a troca de um cumprimento, e não insistem em despejar-me um monólogo em cima, para o qual não terei naquele momento nem tempo nem paciência. Especialmente se for às 7h da manhã, por Deus! Que querendo obrigar-me a sujeitar-me à sua vontade ignorando a minha, obrigam-me a ser descortês, o que me desagrada igualmente.
São as que entendem que para pessoas como eu a existência de afectos não depende de se falar todos os dias, ou todas as semanas, ou até todos os meses. Que não querer estar sempre a conversar não é, de todo, o mesmo que estar zangado, ou doente, ou mal. É simplesmente ter uma personalidade e necessidades diferentes. O que a uns energiza e dá prazer a outros cansa.
Uma colherzinha de caviar pode ser uma iguaria, para alguns, mas se vos fizerem comer toda uma tigela de enfiada, não será mais que algo gelatinoso e salgado.







segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

coisas de opinar: As hienas de Harar e as raposas de Portugal.



Ontem assistimos, deliciados e estupefactos, a um documentário da vida animal passado na vila etíope de Harar, sobre a relação incomum entre os seus habitantes e as hienas.
No passado, por falta de alimento no seu habitat natural, as hienas sentiram-se forçadas a migrar das montanhas para as redondezas desta vila. Naturalmente, começaram os ataques a rebanhos e talvez a humanos.

Como acontece ainda hoje em dia, uma vez por semana, o conselho de sábios reuniu-se para meditar sobre uma solução para este problema. O fantástico é que em tanto lugar do mundo, na maioria acredito, a solução encontrada passaria por exterminar as hienas. Mas não em Harar!
Isto passou-se há uma centena de anos: a solução definida pelos sábios de Harar foi que se passasse a alimentar as hienas.

Em vários pontos da vila são deixados recipientes com uma espécie de pudim de cereais bem regado com manteiga, mas o verdadeiro fenómeno reside na existência de homens que alimentam as hienas à mão, dando-lhes pedaços de carne, com a ajuda um pauzinho. Que as chamam assobiando, que as conhecem e lhes deram um nome, e cujo chamado elas reconhecem.



Criou-se uma inesperada harmonia entre animal selvagem e humanos, que atrai curiosos de todo o mundo. O que começou por ser um gesto nascido da necessidade para preservar vidas humanas e rebanhos, sem abdicar do respeito pela vida e compaixão, cresceu para uma relação que se pode até chamar de afectuosa.
As hienas andam à vontade pelas ruas da vila, as pessoas passam por elas como se nada fosse. Têm-lhes carinho: confessam que olham para estas como amigas, cães. Que tal como os cães estas parecem entender o que lhes dizem.
No documentário há vários momentos destes, desde uma senhora que já não consegue dormir descansada sem os sons das hienas, uma mãe que leva uma criança para as ver mais de perto, o jovem alimentador de hienas de somente 19 anos que depois da primeira noite em funções diz nunca se ter sentido mais entusiasmado e feliz, de como fala da vitória que é a lenta conquista de confiança em que o animal vem buscar o seu pedaço de carne e permite um afago.

Criaram superstições e crenças animalísticas em que a hiena é um espírito protector, que os salva de demónios e djinn. Há sempre uma base de verdade nos mitos e a mim pareceu-me que a protecção atribuída à hiena é o seu papel na ecologia: por exemplo, os restos provenientes dos matadouros são deixados numa colina, e os cães e hienas comem todos os restos. E por incrível que pareça, em companhia uns dos outros, sem ataques.
Há cães, gatos, e crianças, e todos andam livremente pelo espaço. À noite as pessoas recolhem às suas casas, e a presença das hienas intensifica-se nas ruas da vila. A tv mostra a imagem de uma hiena que acelera para se desviar de uma matilha de cães mais atrevidos. Quisesse ela e comia um deles só com uma dentada. Simplesmente não esteve para isso.

Acho que já deu para pintar o cenário das hienas. Posso passar agora às raposas.
Porquê as raposas, e em Portugal, como escolha de tema?

As redes sociais inflamaram-se quando se espalhou nas mesmas o anúncio de uma "batida" organizada pelo clube de caça e pesca de Santa Tecla, Famalicão, com data marcada para 26 de Fevereiro.
Como em tudo, as opiniões dividiram-se e ambos os lados fizeram-se ouvir.
Na defesa do evento, o presidente do tal clube afirmou que a grande motivação do evento é "desportivo", que é um desporto como outro qualquer, que é algo que já se faz desde a época dos reis.

Mais aqui.

Eu cá sou absolutamente contra a caça desportiva. Aliás, a abolição desta é uma das minhas causas.
Não acho plausível nenhum dos argumentos utilizados como tentativa de justificação de práticas que residem na busca de prazer através da crueldade. Isso, nos dias de hoje, para qualquer cabeça sã não é mais que sinal de psicopatia.

Usar a tradição como argumento é vão: a antiguidade de uma prática não justifica a sua perpetuidade. Unicamente o carácter desta define a sua continuidade.
Felizmente existe algo chamado evolução, e o que foi um dia aceitável, no futuro deixará de o ser. Caso não o fosse não se lutaria pelo fim da prática da mutilação genital, das touradas, dos circos com animais. Caso não o fosse nunca teria sido abolida a escravatura, nem se teriam redigido declarações como a dos Direitos Humanos ou da Criança, continuariam a haver tribos canibais, sacrifícios humanos, serviríamos um senhor feudal que teria total domínio sobre a nossa pessoa e vida, e por aí fora. Afinal tudo isto e muito mais pertence a uma lista de antigas práticas, logo tradicionais, certo?!

Sim, tristemente por vezes a caça parece a última solução em determinadas situações. Por exemplo, nos casos extremos em que uma espécie invasora chega a um território, geralmente sempre por mão humana, e por não pertencer aquele habitat, não ter predadores, todo o ecossistema, todas as outras espécies correm um enorme e bem real perigo de desaparecerem. Um desses exemplos é a presença do peixe-gato em várias zonas onde este não é nativo. Mas não deixa de ser uma triste intervenção na tentativa de corrigir um enorme erro humano. Aliás, quando decidimos interferir o resultado não costuma ser bom.

Outra situação é o recurso à caça como meio de sobrevivência. Nem todas as pessoas do mundo vivem numa sociedade onde há mercearias e hipermercados à esquina. Existem ainda lugares em que se não caças, não comes, e se não comes, morres.
Mas essas pessoas, como não faltam documentários que as apresentam aos nossos olhos, são muito diferentes dos caçadores desportivos. Estas fazem-no por verdadeira necessidade, muito provavelmente ficariam horrorizadas perante alguém que o faz somente por prazer, porque melhor que muita gente, sabem que se tirarem da Natureza mais do que aquilo que necessitam, na conta da frugalidade, gera-se um desequilíbrio do ecossistema. Que o respeito pelas outras espécies é indispensável à sua, que não são mais importantes que qualquer uma das outras espécies com quem partilham aquele espaço. Que o ego é sinal de tolice.

Para terminar, deixo-vos com um par de vídeos protagonizados por raposas, esses seres maravilhosos, e pensem lá se concordam ou não com a caça desportiva, se se imaginam em sua perseguição.












sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

coisas sobre mim: gosto, não gosto, edição natal.



Não gosto de farófias.
Gosto de arroz doce, especialmente do que o meu pai faz.
Gosto de aletria à moda antiga, feita pela minha mãe.
Gosto das minhas azevias de grão, feitas no forno.
Gosto de sonhos, especialmente quando saem fofos e sequinhos.
Gosto de algumas memórias de natais passados. Fecho os olhos e vejo a minha avó Felizarda a sovar a massa.
Não gosto de ir a shoppings nesta época.
Gosto das ruas enfeitadas com luzes.
Não gosto que se matem árvores só com o propósito de se montar a árvore de natal.
Gosto de levar o Kiko ao Reino do Natal.
Gosto da troca de votos, desejos e cordialidades da época. Pessoalmente, por telefone, chat, redes sociais, ou correio, tanto faz. Esse gesto é para mim prenda mais que suficiente e verdadeiramente satisfatória.
Não gosto que tenhamos perdido há muito o hábito de trocar postais natalícios.
Gosto de presépios, coroas e outros enfeites.
Não gosto de excesso.
Gosto da liberdade de vivenciar o Natal à nossa maneira.
Não gosto que nos tentem impingir tradições. Muitas vezes o termo "tradição" não passa de um argumento usado por alguém para convencer terceiros a fazer as coisas à sua maneira, para impor as suas preferências pessoais.
Não gosto de fazer nada por obrigação.
Não gosto de dar presentes por obrigação. Qualquer dia dos 365(6) é perfeito para oferecer um presente, basta encontrar aquela coisa que achamos mesmo, mesmo perfeita para aquela pessoa.
Não gosto que me ofereçam presentes por obrigação. Muito menos que gastem dinheiro nisso.
Gosto de prendas caseiras, feitas com as próprias mãos, especialmente das que se comem. Adorei receber de uma senhora amiga, caixinhas com vários doces de natal, feitos por ela. Só porque sim, porque disse que gosta de mim e lhe apeteceu.
Gosto de adiar as reuniões familiares para outros dias. Somos mais felizes assim.
Não gosto de ver as ruas a transbordar de lixo a seguir ao natal. Tanto desperdício, tanta embalagem e papel de embrulho por reciclar causa-me uma verdadeira tristeza.
Gosto de bolo-rei e bolo rainha. Não gosto que venha nem com brinde, nem com fava.
Gosto de rabanadas, mas sem molho ou calda.
Não gosto de doces demasiado doces.
Gosto de roupa velha, embora tenha que cozer couves propositadamente para a fazer, porque o marido não gosta de bacalhau.



sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Lições dos intas #2: Este Halloween ficará na História...



Não na História do Mundo, mas na minha, com toda a certeza.

Passo a explicar.


Começo por vos colocar uma questão: que tipo de pessoas são vocês enquanto consumidores? São daquelas pessoas capazes expressar no momento o vosso desagrado com o produto ou serviço, ou ficam calados, e ficam a remoer no descontentamento, a pensar que deveriam ter dito ou feito algo, mas que sentem que não possuem feitio para tal?

Pois bem, nós por cá sempre pertencemos ao segundo perfil. Ficávamos aborrecidos quando a coisa não corria bem, às vezes ao ponto de riscarmos determinado estabelecimento da nossa lista, mas não tínhamos em nós o à-vontade para expressarmos a nossa insatisfação com a clareza desejada, naquele exacto momento. É acima de tudo uma questão de feitio.
Mas as pessoas mudam com o tempo, e tornam-se capazes de gestos que nunca pensaram ser possíveis. E ainda bem.

De vez em quando vamos dar uma volta diferente com o Kiko e aproveitamos para passar na pizzaria do costume, para encomendar o jantar.

A rotina é sempre a mesma: o marido fica na rua com o cão enquanto eu vou fazer o pedido. Dão-me o talão e informam-me que em 10-15 minutos o pedido estará pronto. Tempo que usamos para dar mais voltinha antes de regressar à loja.

Às vezes as coisas atrasam-se. Por vezes são pequenos atrasos, outras, atrasos monumentais. Daí ser algo que normalmente não fazemos em dias de grande afluência.

Embora o restaurante estivesse quase às moscas, pelos vistos havia um grande número de encomendas ao domicílio, o que desnorteou por completo a equipa.
Lá fiquei eu ao balcão, sempre amável e serena, (porque estas coisas acontecem, e não seria a ausência de serenidade que faria as nossas pizzas aparecerem mais rapidamente), durante o que foi, no total, uma hora, ou quase.
Entretanto já a gerente tinha tido a amabilidade de me pedir desculpa pelo atraso, explicar-me que tiveram que refazer todos os pedidos, porque entretanto haviam perdido o fio à meada sobre a quem pertencia cada pizza.

É claro que fui compreensiva. Mas, paralelamente, deu-se um clique: sim, - pensei para com os meus botões - tenho empatia e compreensão por eles, mas isso não faz com que tenha que desvalorizar o facto de estar há uma hora à espera. Uma coisa não anula a outra. Não quero sair daqui chateada, nem ficar a remoer no assunto, portanto sinto que tenho que ser compensada. O consumidor não tem culpa da desorganização, por mais compreensivo que seja.

Então, pela primeira vez na minha vida, saiu-me algo que nem eu estava à espera.

Quando a gerente me veio entregar o pedido, perguntou se estava tudo, se era necessária mais alguma coisa, ao que eu respondi com a maior da latas: "Sim, uma bebida de oferta caía muitíssimo bem!"
Assentiu com um "claro!" e perguntou-me qual era a minha preferência.
Despedimo-nos amavelmente.

E como não me caiu nenhum raio em cima, nem fiquei com nenhuma dor, nem algo que se pareça, percebi que afinal não é difícil como julgava esta postura de ser clara, logo no momento e no local. Sobretudo que esta passará a ser a minha postura.




segunda-feira, 7 de novembro de 2016

crónicas do condomínio: Declaração de amor a um orçamentista



Um dos projectos a serem executados este ano sob a minha alçada será a instalação de caixas de correio exteriores.

O meu sistema é simples: googlo por empresas que forneçam os serviços que procuro por proximidade geográfica, e contacto primeiramente aquelas cujo site me agrada mais. Como devem imaginar não me refiro a um "concurso de beleza", mas à qualidade e quantidade da informação.

No meu contacto telefónico pergunto se realizam tal serviço, informo sobre a minha localização e pergunto sobre a disponibilidade e interesse. Enfim, o básico.

Pois bem, para esta empreitada das caixas de correio contactei uma empresa. Como prometido, passaram mesmo a informação para o orçamentista, e este não levou muitos dias a ligar-me para agendarmos um encontro.

No dia marcado, passavam dez minutos, se tanto, da hora marcada quando o senhor me ligou a pedir indicações, pois a rua que lhe indiquei não aparecia referenciada no seu gps.
Chegou pouco depois.
Em menos de nada saca da fita métrica, faz as medições, avança com as especificações do produto, faz-me perguntas, responde às minhas, abre uma pasta onde lá estava uma ficha com os meus dados onde desenha um croqui, acrescenta o meu mail. Diz-me que me envia o orçamento no dia seguinte. Fala da importância da pontualidade, dos mais de 20 anos de experiência. Exala brio e profissionalismo, e eu aceno que sim, senhor é assim mesmo, que gosto de gente assim.

No dia seguinte, lá estava o orçamento. E um como deve ser.

Para contrabalançar a grande sorte de ter acertado à primeira numa empresa séria, onde não me dizem que o preço "com factura" é X e "sem factura" é W, onde cumprem horários e compromissos, o comercial da empresa da extintores tinha que falhar, não é?

Contactou-me no mesmo dia que o orçamentista da empresa de caixilharia. Finalmente. Para isso acontecer, e após ter ficado à espera que me contactassem durante duas semanas, foi preciso um segundo telefonema da minha parte.
Então lá telefonou e agendámos. Nunca apareceu nem se dignou a telefonar, a justificar-se. Que é o mínimo que as pessoas decentes fazem. Se as pessoas quiserem ser profissionais para além de decentes, telefonam mal sabem que se vão atrasar, para pedir desculpa pelo incómodo e dar hipótese ao cliente de optar pelo reagendamento do compromisso.

Não liguei uma terceira vez.

Mas contactei hoje uma outra empresa, que aquela foi para a lista negra.

A aventura continua.

Uma das minhas vozinhas interiores anda aos berros com esta situação. E o que diz ela?
"Fod*-se! É só a merda de um extintor! Quanto mais trabalho vai dar a merda de um extintor, porra?!"

terça-feira, 25 de outubro de 2016

coisas de opinar: Onde moram deus e o diabo?



Nos detalhes.

Os pormenores não são tudo, mas podem ser grandes indicadores das nossas forças e fraquezas de carácter. Tantas vezes suficientes por si para criar distância ou proximidade entre as pessoas, para elevar a consideração, a empatia ou o carinho que se tem por alguém, ou para a que opinião que formamos sobre determinado indivíduo não seja a mais favorável e simpática.

Embora nas tarefas quotidianas eu não tenha perfil, nem pachorra nem sequer talento para me dedicar a minúcias, dou importância aos pormenores no que toca ao comportamento humano, pois de certa forma ajudam-me a formar uma opinião sobre as pessoas.

Também não se trata de abusar da crítica e do julgamento sobre o próximo, pois afinal todos seremos santos com pés de barro, mas da necessidade que todos, sem excepção, sentimos de procurar traços de personalidade que nos indiquem se aqueles que se cruzam connosco merecem a nossa confiança, e se nos podemos "dar", muito, só um bocadinho, apenas em determinados contextos, ou absolutamente nada.

Acredito que pelo menos a grande maioria de nós se serve dos detalhes para o mesmo efeito.

E como são esses pormenores?

Só para exemplificar, a colega que oferece um chocolate a outra só para a animar depois de um dia puxado é, no meu julgamento, bem diferente das pessoas que ao venderem a sua casa a entregam aos novos donos, havendo levado até as lâmpadas e as tampas dos ralos.


terça-feira, 28 de junho de 2016

coisas de opinar: Houve um dia em que acreditava em paladinos



Chega a todos o dia em que olhamos com maravilhamento para a inocência das crianças, sobretudo da criança que fomos.

Quando era criança acreditava, numa manifestação de pura inocência e idealismo, que ser jornalista era uma das ocupações mais nobres. Porque a partir do momento que as imagens de um qualquer horror fossem capturadas e difundidas ninguém poderia ficar indiferente, e seria certo que "alguém" faria algo, o quanto antes, para o resolver.

A meio do percurso do liceu, enquanto tentava visualizar que raio de carreira profissional deveria abraçar, houve uma altura em que estava determinada em me tornar repórter de guerra. Mesmo antes, assistia com uma desmesurada atenção ao noticiário da noite quando aparecia o Carlos Fino ou o Albarran. Apontava para o aparelho e dizia "é ali que quero estar", de olhos presos naquele cenário nocturno iluminado pela passagem de cometas balísticos esverdeados.
Costumava dizer que aprenderia russo e árabe. Quem diria que acabaria por ser uma espécie de profecia em relação à geografia dos conflitos!

A minha mãe perguntava-me se eu não tinha medo. E eu, com um ar muito sapiente e douto, respondia-lhe que toda a gente sabe que não se deve disparar contra os jornalistas, que é por isso que se usa um colete com "press" escrito nas costas.
O meu pai olhava-me com um ar incrédulo e divertido. Uma miúda que tem medo de aranhas e outros bicharocos, de picas, dentistas e mil outras coisas, quer ir para a guerra!

Ser jovem é também viver ébrio de idealismo. Mal seria se assim não fosse. E eu acreditava com uma força maior que os repórteres seriam aqueles a conquistar o fim das guerras e outras injustiças no mundo. Que as imagens não editadas da dor, sofrimento, perda e morte estampadas no rosto de pessoas reais seriam essenciais para que guerra deixasse de ser um conceito distante e abstracto. Que se víssemos pessoas como nós em cenários que não desejamos para ninguém, a empatia seria inevitável. Logo a mudança também.

Tenho saudades de ser assim idealista, inocente até.

O jornalismo hoje em dia desilude-me. O jornalista já não é, aos meus olhos, aquele paladino da verdade, mas simplesmente alguém como todos os outros, que tem contas para pagar e por isso é permeável a más influências. Indigna-me e causa-me asco todos os casos, grandes e pequenos, de manipulação de informação e da opinião pública. Posso não me ter tornado jornalista, mas levo a deontologia muito a sério. Acima de tudo é um enorme desrespeito pela profissão, pelas pessoas a quem deviam servir, e pelos colegas que correm grandes riscos mundo fora.

O colete com "press" escrito nas costas já não é uma armadura invencível como antes acreditei, e os jornalistas tornaram-se alvos apetecíveis. Diria que é uma profissão mais perigosa que nunca: 67 jornalistas morreram em 2015, 54 sequestrados e 153 presos. Choca-me tremendamente casos como os de Lara Logan, agredida sexualmente por uma turba de 200 homens no Cairo, e de James Foley, fotojornalista decapitado pela Isis, já para nem falar do ataque terrorista ao Charlie Hebdo.

O sonho que vos descrevi no outro dia relembrou-me de que um dia, também eu quis ser repórter. E até por motivos que acredito serem memoráveis, que me fariam abraçar a miúda que fui. Acho que esse sonho e os seus pormenores foram a expressão do meu inconsciente sobre os medos relacionados com tal profissão: hoje não me atreveria, especialmente enquanto mulher. Demasiado perigoso.

Louvo quem o faz, especialmente numa era em que não se respeitam os mínimos códigos de honra, em que a violência e a bestialidade proliferam. Uma réstia de idealismo em mim alimenta a esperança que o sacrifício de todos estes profissionais não seja em vão, e que realmente contribua para a resolução de muitos problemas no mundo.






quinta-feira, 12 de maio de 2016

coisas sobre mim: gosto, não gosto.



Gosto de música. Não gosto de barulho.
Gosto de quem liga para saber de nós. Não gosto de quem só liga para pedir algo.
Gosto de dar. Não gosto de quem só gosta de receber.
Gosto de debates. Não gosto de discussões.
Gosto de opções. Não gosto de obrigações.
Gosto de gente simples. Não gosto de simplórios.
Gosto de quem oferece ajuda. Não gosto de pedir ajuda.
Gosto de algumas regras. Não gosto de quem quebra regras sem um bom motivo.
Gosto de "bom astral". Não gosto de pessoas tóxicas.
Gosto de tomar as minhas decisões. Não gosto quando me tentam obrigar a algo.
Gosto de receber. Não gosto de quem dá por obrigação.
Gosto que discordem de mim. Não gosto que me critiquem.
Gosto de boas conversas. Não gosto de quem aproveita todas as conversas para despejar os seus problemas.
Gosto de andar a pé. Não gosto de conduzir.
Gosto de boa educação. Não gosto de formalidades em excesso.
Gosto de quem bebe com moderação. Não gosto de bêbados.
Gosto do "caminho do meio". Não gosto de extremismo nem radicalismos.
Gosto de quase todos os animais. Não gosto de quem não gosta de animais.
Gosto de mim. Não gosto de tudo em mim.
Gosto de gente inteligente. Não gosto de quem acha que sabe tudo e tem sempre razão.
Gosto de pessoas. Não gosto de todas as pessoas.
Gosto da minha família. Não gosto de todos os meus familiares.
Gosto de franqueza. Não gosto de quem usa a palavra com o intuito de magoar e humilhar.
Gosto de comédias, filmes de acção e fantasia. Não gosto de filmes de terror.
Gosto de documentários. Não gosto da grande maioria dos reality shows.
Gosto de algumas séries. Não gosto de telenovelas.
Gosto do meu cão. Não gosto de quem não gosta do meu cão.
Gosto de me sentir segura. Não gosto de quem me faz sentir insegura.
Gosto de flirts. Não gosto de gente oferecida.
Gosto de ler. Não gosto de todos os livros.
Gosto de princípios. Não gosto de quem não os tem.
Gosto de lógica. Não gosto de irracionalidade.
Gosto das rotinas que escolho. Não gosto das rotinas que me são impostas.
Gosto de dizer não. Não gosto de quem não sabe ouvir um não.
Gosto de dizer sim. Não gosto de quem nunca ponderou ouvir algo que não um sim, de quem conta com o ovo no cu da galinha.
Gosto de serenidade. Não gosto de quem se exalta por tudo e por nada.
Gosto de dormir. Não gosto de ser acordada abruptamente.
Gosto de estar em casa. Não gosto de sair só porque sim.
Gosto de alguns desportos. Não gosto de futebol.
Gosto de crianças. Não gosto de crianças mal educadas.
Gosto de ruas limpas. Não gosto de quem não deita o lixo no lixo, não apanha os dejectos dos cães e cospe para o chão.
Gosto de resolver logo as coisas. Não gosto de quem fica a remoer ad eternum na mesma questão.
Gosto de romantismo. Não gosto de lamechices.
Gosto de coisas bonitas e bem feitas. Não gosto do preço das coisas bonitas e bem feitas.
Gosto quando faço algo bem. Não gosto de falhar.
Gosto de sonhar. Não gosto de não saber materializar muitos sonhos.
Gosto de gente capaz e bem resolvida. Não gosto de quem é uma cruz na vida dos outros, podendo não o ser.
Gosto de gente curiosa. Não gosto de gente cusca.
Gosto de amor-próprio. Não gosto de quem não se sabe amar, e vira inevitavelmente uma pessoa amarga porque deu mais do que tinha e do que era.
Gosto das formigas. Não gosto das cigarras.
Gosto das formigas que, de vez em quando, com conta e medida, brincam às cigarras. Não gosto das cigarras que só sabem ser cigarras, porque pensam poder contar com as formigas.
Gosto de saúde. Não gosto das limitações que a falta desta me impõem.






terça-feira, 12 de abril de 2016

coisas de pensar: A estranha no espelho



São raros os momentos em que me olho ao espelho com olhos de ver. O habitual é fazê-lo de uma forma automática. Exercer todos aqueles gestos quotidianos com um nível de observação que quase roça a cegueira.

Sabendo obviamente que a superfície espelhada me devolve o meu reflexo, questionei-me se aquela que ali se apresenta, vendo-se sem vendas pela primeira vez há nem sei quanto tempo, seria realmente eu. Ou melhor dizendo, quão diferente seria qualquer um de nós despidos das marcas de influências externas.
Que rosto, que corpo, que psique, que alma observaríamos se nos conseguíssemos despir de todas as marcas não inatas, de todos os vestígios de maleitas passadas e presentes incluindo dogmas, demagogias, todos os trejeitos, manias e modos que se colaram a nós mas que não são realmente nossos.

Quando presto a mesma rara atenção sobre quem sou, surgem as mesmas dúvidas. No universo de pormenores que supostamente me definem, desde a forma como me movo, como reajo, à forma como falo, penso, escrevo, ajo, do que gosto, do que não gosto, do que temo... Em quantos destes momentos sobressaiu o meu eu real ao invés do produto de um condicionamento?

Tão antiga e tão válida a questão "Quem sou? De onde vim? Para onde vou?".
Talvez o mais significativo legado dos sábios da História seja a própria interrogação. Não há conhecimento sem curiosidade, respostas sem perguntas, nem há demanda como a busca por si próprio.

terça-feira, 8 de março de 2016

coisas de opinar: Dia da Mulher



Hoje é um bom dia para confessar que, mais que uma vez ao longo da minha vida, desejei ter nascido homem. Pelo simples facto das coisas parecerem mais fáceis para o outro género.
Nem sempre esse desejo surgiu de acontecimentos em nome próprio. Desde criança, o que me faltava em energia e aptidões físicas, sobejava em pensamento e poder de observação. Não mudei muito, para não dizer que não mudei nada.
Muitas vezes preferia ficar em casa a ler ou a ver televisão do que ir para a rua brincar, e está ligada à televisão uma das minhas primeiras memórias sobre ter achado uma "grande seca" isto de ter nascido sob o signo feminino.

Não me lembro da minha idade exactamente, mas lembro-me de estar a assistir a um documentário sobre uma qualquer tribo africana, tão distante geograficamente como em costumes. Havia um grande festival, com danças, música e outros rituais. Jovens casadoiros faziam trinta por uma linha para caírem nas boas graças de jovens raparigas e das suas famílias. Após tudo concertado, o dote pago à família da moça, esta deveria acompanhar o esposo até à sua aldeia, onde viveria com este e com os sogros. A partir do momento em que se tornasse uma mulher casada a sua função seria tratar do marido, dos sogros e futuramente dos filhos, por toda a vida, sem objeções e com uma total obediência. Uma escrava, portanto. Pelo menos até ela se tornar também uma sogra, caso dê à luz filhos e não filhas.

É incrível o que a nossa memória decide armazenar em lugar de relevo. Lembro-me tão bem da minha reacção. De ter achado aquilo muito mal, de ter ficado indignada, de ter pensado que realmente é um grande castigo nascer mulher, e porque me haveria de ter calhado a mesma sorte. Logo a mim, ser quase indomável, com este mau feitio, esta obstinação, e esta desobediência e rebeldia inatas.

É que mesmo a minha mioleira sendo tenrinha de tão nova não demorou mais que um par de minutos a somar dois mais dois, a concluir que, embora com outras roupagens, a realidade daquelas moças africanas não era muito diferente da realidade de qualquer mulher europeia.
Assim sendo, posso afirmar que me tornei feminista ainda antes de conhecer o termo.

Recordo-me de estar a passar férias em casa de familiares, (mais uma memória de infância), e após um jantar, em que era hábito serem as mulheres a levantarem a mesa e tratarem da louça, ter-me saído num tom muito fervoroso e altivo que "não, não! Cada um leva o seu prato para a cozinha e lava-o, que não há cá criadas!"

Ou quantas vezes copiei o adágio que ouvi muitas vezes a minha própria mãe usar, enfrentando qualquer homem que me parecesse ultrapassar os limites. Fosse quem fosse, superiores hierárquicos inclusive, olhos nos olhos, nariz empinado e num tom desafiador: "Eu, com as calças do meu pai, sou duas vezes mais homem que você!"
Como quem diz, respeitinho, baixa a bolinha, que independentemente do género, vais aprender que aqui a alfa sou eu, comigo não cantas de galo ou corto-te a crista!

Rio-me ao recordar que, até conhecer o meu marido, todos os namoricos eram para mim, (embora não o confessasse claramente porque soava mal), coisas passageiras, experiências divertidas juvenis, enamoramentos sem perspectivas futuras. Se me vinham com planos sobre o futuro, na minha mente ecoava um trocista "deve ser deve, isso e sopas."
Um dia, após muita insistência aceitei conhecer uma mãe, deixando explícito que para mim não era indicador de "compromisso". O moço teve a infeliz ideia de lançar um bitaite sobre o que deveria escolher em termos de outfit para a ocasião. Rapei frio mas fiz questão de levar o meu vestido mais curto. Quão curto? Muito curto!
Diverti-me tanto, (e a senhora também, que era muito mais prá frentex que o energúmeno do descendente), que baptizei o trapo de "traje oficial para conhecer sogras".
Mais do que uma piada ou expressão de imaturidade, havia até bastante discernimento e inteligência por detrás destas minhas "saídas". Serviam-me para avaliar a pessoa, tentar captar-lhe a essência, imaginá-la noutros tempos e contextos, e pensar se teria o perfil adequado para mim. Pronto, simplificando, um "test drive".

Façam-me o grande favor de ensinar a todas as meninas das vossas vidas que, um namorado que opine sobre a sua forma de trajar é um merdas, com o potencial para se tornar um grande filho da puta, e que a única coisa que merece é ir com os porcos. Sem hesitações ou penas de qualquer espécie.

Se sempre o soube devo-o em certa parte à tal capacidade inata, mas sobretudo aos meus pais.

Entre muitas e muitas outras coisas, a minha mãe sempre se debateu com a ferocidade de uma leoa pela minha liberdade de vestir o que me desse na real gana. De tal forma, que o meu pai desistiu em pouco tempo de fazer interjeições sobre o tamanho das minhas saias.
É que o meu avô sempre foi muito severo e controlador. Nunca permitiu à minha mãe vestir uma minissaia nem prosseguir os estudos. A minha mãe fez questão que eu tivesse a liberdade e a oportunidade para ambas as coisas.

O meu pai também era severo e disciplinador, mas demonstrou, em algumas ocasiões, maior abertura do que muitos pais da sua geração. Das centenas de discursos sobre educação sexual que tive que gramar, (e que honestamente agradeço), lembro-me de um em especial. O meu favorito.
Disse-me que só eu decidiria o rumo da minha vida. Que só o meu bem estar lhe interessava. Tudo o resto são detalhes indiferentes. Casar ou nunca casar, viver junto, ou outra qualquer opção, era-lhe completamente indiferente. O importante era ter a inteligência suficiente para saber usufruir destes novos tempos, não abdicando da minha liberdade, do meu poder, das minhas escolhas por ninguém. Que hoje as mulheres não têm que ficar presas ao primeiro homem com quem dormem. Que tivesse juízo, e que me divertisse. Que tivesse bom senso, e não confiasse demasiado em homem algum, que tomasse as rédeas de todas as situações, (ênfase na prevenção), porque ainda hoje, "quem se fode é sempre a mulher".

Agradeço-lhes. Um dos resultados foi, feliz mistura de sapiência e destino, ter encontrado um parceiro para a vida que me adora precisamente pelo meu mau feitio, que se está pouco cagando para o que visto, que mais depressa lhe nasce um mamilo na testa a desenvolver algum traço de machismo ou misoginia.

Feliz dia da Mulher a todas. Celebrai hoje, que amanhã é dia de voltar a arregaçar as mangas, para que as crianças que nascem hoje, sejam no futuro, adultos melhores que nós.










quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

cromices #114: Novidades da frente de batalha contra o medo


Conhecem aqueles momentos em que estamos doentes mas, mal marcamos uma consulta parece que nos começamos a sentir melhor?

Pois acho que isto define precisamente o que se anda a passar comigo acerca do meu medo de cães grandes.

Milagrosamente, a partir do momento em que desabafei aqui convosco e com alguns amigos sobre os meus ataques de pânico, o meu medo e como me sentia, tudo começou a melhorar.
Nada de drástico, mas não dizem que a grandiosidade reside nos detalhes?!

O primeiro passo foi quando, numa ida às compras, apanhei um rapaz a passear um Pit Bull. Embora seja uma das raças com as quais não me sinto à vontade, consigo apreciá-los e aquele era um exemplar lindo, cinza e branco.
Estando sozinha, decidi não desperdiçar a oportunidade. Pensei: "és uma pessoa ou um rato"?!
Abordei o rapaz, elogiei o cão, trocámos dois dedos de conversa, deixei que o bicho me cheirasse sem recuar um único passo e ainda lhe dei uma festa. Quando estiquei a mão para que ele a cheirasse só pensei "seja o que Deus quiser".
Podem achar-me muito mariquinhas, mas considerei-o uma grande vitória, especialmente depois de notar que era um cão sem treino de obediência, porque se fosse treinado o dono dar-lhe-ia os treats à boca ao invés de os atirar ao ar ou para o chão, o que dá a entender de certa forma falta de confiança no próprio animal, falta de treino e de controle sobre este.

Quando nos despedimos ia muito satisfeita comigo própria, mas com a certeza reforçada que continuo a ter mil e um motivos para considerar que o quarteirão da loja de animais é território que nos é interdito. Que sempre que lá for, vou continuar a optar por levar o cão ao colo e dar uma corrida até entrar na loja, que não ando a criar o Kiko com tanto enlevo para acabar como boneco de roer de outro animal.
Que se tivesse o hábito de ir para lá passear muito provavelmente já não tinha cão, pois as pessoas mantém o hábito de deixarem os cães à solta, e estamos a falar de várias raças como Labradores, Pit Bulls, Staffordshire Terriers, Serras da Estrela. Mais precisamente de machos, que como todos independentemente da raça ou porte, demonstram comportamentos territoriais e de dominância numa ou outra ocasião.

O segundo passo foi tornar-me mais assertiva.
Já mando o Jimmy para casa com um tom que ele nem se atreve a desobedecer-me.
Já saí de casa para perseguir o Urso - o cão que já me pregou uns cagaços por se parecer com um lobo, disposta a enfrentá-lo, agarrar o fugitivo pela coleira e levá-lo até à sua casa se fosse preciso. Não foi preciso tanto, mas agora estou nessa disposição: cão que apanhe à solta que eu saiba quem são os donos, vou lá entregá-lo. E mai nada!
Quanto ao cão que nos tentou morder, o marido, que entretanto já se cruzou com ele, diz que a solução é soltar o Kiko. Que o nosso menino mete esse a correr para casa com o turbo ligado.
Duvido que se torne a minha estratégia, mas sinto-me capaz de agarrar no Kiko ao colo, e desatar a correr atrás do meliante. Até lhe ladro e rosno se for preciso.

O terceiro passo é a consolidação do conhecimento sobre o comportamento do meu próprio animal, e sobre quais os cães com que ele pode ou não socializar.

Na lista do "talvez" está o Jake, um cachorro cruzado de Leão da Rodésia, boa onda pela sua tenra idade, mas que pelo seu porte e por transbordar de energia, voa para cima do Kiko e magoa-o, embora sem querer. Por isso prefiro evitar.

A lista do "não" é muito mais extensa. Nela está, por exemplo, o Mondego, pela sua dominância e territorialidade. Já se mostrou agressivo para com o Kiko e é sem dúvida um dos grandes responsáveis pelo facto do meu cão não gostar nem um pouco da maioria dos machos de médio/grande porte, especialmente quando mostram traços de comportamento dominante e agem como bullies.
O Soneca, que embora sendo um cão doce e medricas, e já tenha brincado solto com o Kiko sem qualquer problema, há pouco tempo reagiu negativamente ao nosso cão e este a ele. Demonstra em relação ao Kiko um comportamento intermitente, oscilando entre medo, embora seja muito maior, e umas investidas repentinas. A partir daí passou para a lista do "não".
O podengo Kiko, por ser territorial, desobediente e gostar de provocar os outros cães.
E a lista continua. O ponto negativo é nela haver cães, todos maiores que o meu, que se o apanhassem não duvido que o estraçalhavam. O ponto positivo é que sabê-lo é meio caminho andado para nos conseguirmos proteger.

Na lista do "sim" estão os amigos do Kiko e praticamente 90% das cadelas deste mundo.
Em lugar cimeiro está o Gaiato, o único cão com que eu permito brincadeiras quando sou eu a levá-lo à rua. Confio de tal forma no dono e nos nossos animais, que me sinto totalmente descontraída e posso apreciar a interacção entre os nossos putos, a pura felicidade de ambos mal se vêem, as caudas a abanar, os abracinhos de urso. É claro que também ajuda serem do mesmo tamanho.

Quanto a cadelas "especiais", o destaque neste momento vai para a Anya, uma Pastora Alemã. Precisamente aquela, que por tê-la conhecido a primeira vez, à solta com o dono na rua, passei a fugir deles como o diabo da cruz. A evitar percursos, a passar para o outro lado da rua. Nem sabia que era uma fêmea.
Um dia o marido chega a casa e conta-me tratar-se de uma menina, que andaram ambos soltos a brincar, que se parecem adorar.
E eu que já pude assistir in loco à demonstração desse "amor de paixão", embora a uma distância segura, dela a abanar a cauda, do meu Kiko a uivar pela sua amada, decidi há uns dias não fugir da aproximação. Inclusive depois de pôr o Kiko em casa, levei-lhe um treat especial e dei-lhe um beijo no nariz.



sábado, 30 de janeiro de 2016

Vida de cão #46: Ode ao diálogo




Sou daquelas pessoas a quem "bate forte, mas passa rápido".

Noto que, com o passar dos anos, cada vez me "bate mais forte", ou talvez o que se passa é que prefiro ver-me livre dos maus sentimentos através de uma catarse imediata. Não é bonito de ver, mas é essencial gastar logo toda aquela energia gerada pela irritação.

Ontem quando fui passear o Kiko, tivemos mais uma cena dessas.
Passamos diariamente por uma rua, que é das melhores da localidade para passear o cão, por ser longa, ter um relvado que se estende por todo o seu comprimento, e árvores.
Em frente a uma das casas estão sempre restos de comida, colocados displicentemente em cima da relva, que podem ir de bocados de pão, massa, batatas com sabe-se lá o quê, ossos a latas de atum.

Ontem, no cardápio havia, para além de um resto de batatas com acompanhamento mistério encostadas ao muro da habitação, espinhas de peixe espalhadas pela relva e camufladas por esta.

Nada do que por ali aparece é benéfico para qualquer cão. Tanto que o Kiko embora levado pela gula tente alcançar os restos, sabe que na grande maioria das vezes, essa teimosia só resultará num "Não!" bem audível e se necessário puxões na trela.

Andamos a treinar o comando "dá", que serve tanto para brincar com bolas, como para estas ocasiões em que ele agarra qualquer coisa que não deve. Resulta algumas vezes, nem todas.

 Então, lá estava eu, com um saquinho dos cócós a servir de luva a tirar-lhe as espinhas da boca. Não foi nada fácil, mas consegui. Fiquei foi com um dedo a sangrar, porque ou me espetei com as espinhas ou da pressão dos dentes do Kiko. Nada de especial.

Tentei prosseguir o passeio, embora já furiosa, porque sendo o miúdo certinho que nem um relógio, era importante que ele fizesse um nº2. Que não fez porque andava totalmente desaustinado, parecia querer abocanhar tudo o que aparecia e eu, cada vez mais possessa, achei preferível levá-lo para casa o quanto antes.

Decidi que, após mais de um ano a encontrar restos de comida ali, de ontem não passaria e que iria abordar os donos daquela casa.

Assim fiz. Não sem antes ir tomar um café e fumar um cigarro. Porque até eu, dada a amoks, tenho um nível de inteligência emocional que me permite saber que nunca se deve abordar ninguém quando estamos furiosos.

Como não encontrei nenhuma campainha, coloquei-me ao portão da casa a chamar. Apareceu um senhor com alguma idade e uma senhora mais idosa, que deveria ser sua mãe.
Disse-lhes que precisava de lhes dar uma palavrinha, de lhes pedir um favor. Que lamentava abordá-los na sua casa, mas que depois da aventura de ter que arrancar espinhas da boca do meu cão, coisa que poderia ter acabado numa ida ao veterinário, tinha que lhes pedir que fizessem o favor de não deixar restos de comida na via pública.
O senhor não fazia a mínima ideia do que se passava. Eu voltei a explicar que todos os dias estão restos de comida na outra entrada da casa, a que dava para a rua X. Que em algumas ocasiões até latas de atum abertas, que podem cortar o focinho de um animal mais curioso.
A senhora admitiu que punha lá pão, e tinha lá posto batatas com qualquer coisa, mas nunca latas de atum nem espinhas. Talvez isso fosse da responsabilidade dos vizinhos do lado.

Trocámos pedidos de desculpas pelo incómodo e prometeram-me que não voltaria a acontecer.

E eu terminei a minha tarde com a esperança renovada no poder do diálogo. Que a solução passará sempre, e em primeiro lugar, por abordar com o melhor dos espíritos e das atitudes aqueles que por um qualquer motivo nos incomodam com alguma atitude ou acção.






quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

A minha maior regra de vida é...



... nunca, mas nunca duvidar do meu instinto.

Aprendi, a meu próprio custo, que duvidar deste ou ignorá-lo só resulta em asneira.


Hoje, na volta da hora de almoço com o Kiko, passou por nós um indivíduo que me deixou qualquer coisa cá dentro a remoer.

Embora não tivesse um aspecto muito cuidado, não foi isso que agitou as minhas borboletinhas. Aliás, quem sou eu para julgar pela aparência se saio à rua para passear o cão nuns preparos em estilo indigente chic, com uns toques de hipster e lumberjane?!

Também não foi da barba crescida e por aparar.

Mas havia qualquer coisa ali...

Quando regressávamos pelo mesmo caminho, o que passa em frente da casa da D. M., uma das minhas octogenárias favoritas de todos os tempos, vi-o sair do pátio da senhora.

Voltei a olhá-lo nos olhos, que é assim que olho para as pessoas, e voltei a dar-lhe os bons dias. Desta vez respondeu, com uma voz meio sumida.
Prosseguiu caminho e eu fiquei à frente do portão da casa a tentar perceber qual a pecinha ali que não se enquadrava bem. Qual o pormenor que tinha mexido com o meu instinto?

Aí, fez-se luz. Tinha sido o capuz. Da primeira vez que nos cruzámos, em que o olhei nos olhos e o cumprimentei, como faço com toda a gente, ele não me respondeu, colocou o capuz e baixou os olhos.

Vim pôr o Kiko em casa e saí directamente até à casa da D. M.

Quando me abriu a porta, contei-lhe o sucedido, disse que só queria ver se estava tudo bem, que preferia correr o risco de julgar alguém erradamente pela aparência do que ignorar o meu instinto.

Ela agradeceu-me a preocupação e o gesto. Realmente tratava-se de um rapaz da localidade, toxicodependente, com um historial um bocadinho complicado, que volta e meia tem por hábito lá passar para pedir para o vício, embora já tenha sido avisado por familiares da D. M. que não o deveria fazer.