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terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

coisas que gosto: o espírito de aldeia


São os traços próprios de uma vida simples e serena que desenham muitos dos momentos que mais me fazem transbordar o peito de felicidade.

Adoro ir passear com o Kiko após o almoço, subir e descer a avenida do costume, que é coisa que nos leva meia-hora - eu cá aprecio rotinas desde que tenha sido eu a decidi-las.
Nada bate os dias em que olho em redor e verifico que temos o percurso só para nós. Tal permite-me afastar da equação possíveis encontros caninos de terceiro grau, abrandar a pulsação, respirar fundo e simplesmente desfrutar.

Cumprimos esta exacta rotina há mais de quatro anos, todos os dias, com poucas falhas ou nenhumas. Esta assiduidade com o quase rigor de um relógio suíço faz com que praticamente todos os que habitem ou trabalhem ao longo da avenida nos conheçam, o que dá origem a momentos de interação tão salutares que naquele momento acredito que adoro pessoas.

Há conhecidos que passam por nós de carro e apitam e acenam, há condutores de autocarros que por se cruzarem connosco todos os dias nos acenam também, atestado que a partilha de espaço e tempo é chão comum suficiente para germinar uma ligação, há troca de acenos com quem está sentado à varanda ou alpendre, troca de cumprimentos e algumas palavras com quem está a jardinar, um jovem pai que segura o pequeno ao colo para ele ver o "ão-ão", a senhora octogenária que conhecendo a nossa rotina abre a porta à nossa passagem para um dedo de conversa, até senhores das obras em cima de andaimes com quem trocamos "boas tardes", e de vez em quando fala-se deste cordial espírito de aldeia:

"Que bom que é viver numa aldeia!"

"É mesmo, vizinha! É mesmo."


terça-feira, 14 de agosto de 2018

coisas de pensar: Da Lógica #1, ou coisas que com certeza fazem o pobre Aristóteles rebolar na tumba


Na minha aldeia não faltam passadeiras. No entanto a presença de passadeiras nunca foi por aqui sinónimo de segurança para os peões. Tanto que até já contamos com histórias infelizes de atropelamentos mortais.

Talvez com a melhor das intenções, rotundas e semáforos foram sendo acrescentados à paisagem, já que estes obrigam os condutores a circular de forma mais lenta.

Arrisco dizer que teria resultado numa maior segurança dos peões, não fosse o facto, (coisa pequenina!), de quem organizou a geringonça achar por bem que o sinal ficasse verde simultaneamente para carros e peões.


quarta-feira, 21 de junho de 2017

Pessoas de quem gosto: "A terra a quem a trabalha"



O sr. P. é um septuagenário aqui da aldeia.
Pertence ao cada vez maior grupo de pessoas que conheci, ou fui conhecendo melhor, graças ao Kiko e aos nossos passeios diários pelas ruas da localidade.

Cruzámo-nos num dia de Inverno, e lá fomos conversando rua acima, ao ritmo do Kiko e das suas deambulações pela relva.
O sr. P. tem um semblante amável, e uma postura escorreita que não deixa revelar a sua idade ao primeiro olhar.
Fala-me sempre da sua horta, com as nuances próprias de cada estação, e eu gosto de o ouvir, sobretudo pelo entusiasmo que coloca em cada frase, esteja a falar de couves tronchudas ou dos tomates que em meados de Junho já estão "deste" tamanho - e usa as mãos abertas para demonstrar o quão grandes são. De como uma boa meia dúzia deles já repousam no parapeito, a amadurecer ao sol.
Mal o conheci pensei cá para mim estar diante da prova viva de como o constante contacto com a terra, desde que seja genuinamente por paixão, gosto e prazer, é uma espécie de elixir da juventude. Que a Natureza retribui, com juros, a quem dela cuida.

O sr. P. mora numa das ruas limítrofes da aldeia, num aglomerado de casas abraçadas a montante por um vale. Algures nessa extensa linha de mato, fica a sua horta, num terreno - apressa-se a esclarecer - que não é seu, mas que não fosse este seu "passatempo", como lhe chama, estaria destinado ao silvado, embora tenha dono.
A última vez que me cruzei com este amigo, ainda não se adivinhava a enorme e dantesca tragédia de Pedrógão Grande, confessava-me a sua preocupação, partilhada por alguns vizinhos octogenários, perante a negligência dos legítimos donos dos terrenos que lhes circundam as habitações. Terrenos por limpar, com mato denso e silvas do tamanho de gente. De como uma sua vizinha, senhora idosa, lhe dizia que não fosse o sr. P. a passar com o trator e a limpar algum desses espaços, por sua iniciativa, usando do seu tempo e meios, o cenário seria pior.
Sublinhava que num desses espaços havia passado o trator fazia dois anos, e esse tempo bastou para que surgisse um verdadeiro matagal. Que era necessário voltar a limpar, e que não se vendo qualquer interesse por parte dos proprietários se sentia tentado a fazê-lo novamente, pensamento que leva ao justo desabafo da sua mulher: "Sempre os mesmos! Calha sempre aos mesmos!"

Contrapus que esse era o eterno dilema das pessoas íntegras e cumpridoras: ou se faz no lugar daqueles que teriam o dever de o fazer mas que nada fazem, ou se permite que o descalabro e o caos imperem com consequências para todos.

Nunca me fez tanto sentido o adágio propagandista que diz "a terra a quem a trabalha".