quinta-feira, 10 de julho de 2014
Tratamento vip
Trabalhei diversas vezes no atendimento ao público.
O meu primeiro "salário" ganhei-o, ainda miúda, na companhia de uma amiga e colega de liceu, a fazer embrulhos durante umas férias de Natal, no velhinho Jumbo de Cascais.
Foram, sem dúvida, uns dias bastante preenchidos e ricos em experiências: discuti com um segurança que apanhei a ser mal-educado e arrogante com uma funcionária da limpeza com idade para ser sua mãe, discuti com uma das nossas "responsáveis" que adorava armar-se ao pingarelho, tive pedidos muito estranhos por parte de clientes, como embrulhar bicicletas e tábuas de engomar, e claro, um dos maiores desafios, lidar com os "vip's", (ênfase nas aspas).
Orgulho-me tanto daquela miúda de 16 anos, por não ter sido mais uma entre tantos, no atendimento ao público, a cair no erro crasso de mudar de atitude conforme o cliente.
Verdade seja dita, pessoas do atendimento ao público, é tão feio, tão pouco profissional, sinal de tão fraca personalidade quando mostram preferência, quando rejubilam na presença de um qualquer menos anónimo, e se desdobram em sorrisos e salamaleques.
A figura ridícula de quem o faz só serve para lhes alimentar o ego e continuar a ilusão de que o mundo lhes deve tratamento especial.
Não me refiro a uma atençãozinha, um pormenor carinhoso, um sorriso mais aberto ou um discreto elogio se se trata de alguém cujo trabalho admiramos. Critico sim, aqueles que só exibem a sua melhor performance profissional na presença dos "tais", e os "tais" que esperam e exigem que tal aconteça.
O meu "tratamento especial" era, naquela ocasião, reservado sobretudo às avós. As que esperavam pela sua vez em silêncio, e isso é de valor, porque, para mim, continua a não haver nada mais parecido com uma multidão esfomeada de zombies do que pessoas às compras no Natal. As que compravam pacotinhos de meias para os netos. As sem caganças. A essas esforçava-me por lhes fazer um embrulho absolutamente perfeito, embora me tenha esforçado sempre para com todos os outros.
Lembro-me de um caso particular.
Uma senhora que, chegando com um carrinho cheio, à meia noite e meia, hora de encerramento, insistia em ser atendida. Justificou-se com um "sabe quem eu sou?!".
Decidi alinhar na brincadeira e dar-lhe corda, enquanto continuava a arrumar o meu estaminé de embrulhos, para me ir embora.
- "Sou prima do Mário Soares!"
Abri o sorriso e estendi-lhe a mão em forma de cumprimento:
- "Muito gosto. Eu sou a Ana".
Retribuiu-me o sorriso até ao momento em que a informei, que até poderia ser prima do Papa, que isso não faria o Jumbo encerrar mais tarde.
Ofereci-lhe todo o papel de embrulho e fita que conseguisse transportar. Recusou. Informei-a que poderia voltar no dia seguinte, que seria atendida com todo o préstimo. Nada. Queria à força toda que ficasse ali à sua disposição, independentemente da hora. Deixei-a a falar sozinha.
No dia seguinte fui chamada a um gabinete. Tinha feito queixa de mim. Sorri. Soube-me a medalha de mérito, daquelas que os escoteiros recebem por boas prestações.
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