sábado, 19 de outubro de 2013
Nós, um case study...
Há uns dias, a Sónia do "Cócó na Fralda", publicou um post intitulado Natalidade, através do qual se procuravam voluntários para um estudo sobre os baixos números da natalidade em Portugal.
Um dos alvos do estudo, casais sem filhos, residentes em Lisboa ou arredores, de idades compreendidas entre os 35 e os 45 anos.
Nós, um casal sem filhos, com 34 e 37 anos, quase, quase que nos enquadramos na perfeição no target deste case study.
Pareceu-me um excelente motivo para soltar por aqui o meu ponto de vista sobre esta matéria.
Igualmente, da próxima vez que indagarem sobre a estranheza de sermos o que somos, posso sempre poupar a paciência e a saliva, e mandá-los vir ler aqui ao blog.
Não. Não temos filhos.
Sim, é por opção.
Não sei se quero filhos, e acreditem que é a resposta mais verdadeira e honesta que posso dar. E uma bastante pensada e com muito peso, de alguém que anda há mais de uma década a ser interrogada por familiares, amigos, e todo o gato e cão que sabe-se lá porquê, acha perfeitamente normal ultrapassar os limites razoáveis do que a falta de intimidade permite e não permite, para questionar e mandar bitaites quando o tema é este.
Sim, mais de uma década a levar com isto, e por vezes com uma frequência absurda levou-me à exaustão. E, se há uns anos atrás conseguia disfarçar o meu desagrado com um sorriso e uma certa graciosidade, hoje não tenho problemas em mandar à merda as pessoas realmente chatas.
Porque, senhoras e senhores, já passei por cada uma! Que mandar à merda é eufemismo!
Continuando...
Não sei se quero filhos. Existem momentos em a balança pende inequivocamente para o não, assim como momentos em que pende, embora mais timidamente, para o sim.
Em pequena, questionava porque é que os adultos faziam mais crianças, se haviam crianças por adoptar.
Diziam-me que as coisas não são assim, lineares. Que quando fosse grande, ia ver.
Cresci e continuo a pensar da mesma forma.
Anos depois, ouvi a expressão "é preciso uma aldeia para criar uma criança", o que ainda fez crescer mais em mim essa forma de pensar. Que até nós, pessoas sem filhos, temos um importante papel a desempenhar no desenvolvimento de todas as crianças, nem que seja como "tios emprestados", que o facto de serem filhos dos outros é um pormenor.
Que amar verdadeiramente uma criança é estar na disposição de amar todas as crianças.
No direito de mandar bitaites à vida dos outros, porque amor com amor se paga, já que há casais que pensam em múltiplos filhos, que tal nem todos serem biológicos? Tipo um adoptado, por cada um parido?
Já houve quem me respondesse que "ah, adoptar é muito bonito e tal, mas não é a mesma coisa". Quase certamente que são as mesmas pessoas que me consideram egoísta por não ter filhos, e que tal deve ser um subproduto do facto de ser filha única. Pois, que os filhos únicos são, sem sombra de dúvida, egoístas.
Quando ouço algo assim, penso num dos dias mais marcantes da minha vida, há anos atrás, quando fui com um grupo de amigas, passar o dia com as meninas de um orfanato. O brio com que nos mostravam como tinham feito bem a caminha, ou que era ali que brincavam, que tinham boas notas, e que apesar de tudo, eram felizes. Das mãozinhas, tantas, que procuravam as minhas. De como voltei a brincar às escondidas e à apanhada. De como tudo era pretexto para me abraçarem, e de como retribuí esses abraços. As trancinhas e as bochechas, os sorrisos. Da vozinha que me pediu para a trazer para minha casa. De como viemos embora, em silêncio. De como passei o resto do dia a chorar. De ter sabido mais tarde, que não tinha sido a única. De ficar emocionada ainda hoje quando penso nisso. De ter a certeza que seria capaz de chamar filha a qualquer uma daquelas meninas, e senti-lo, mesmo não a tendo parido.
Não sei se quero filhos.
Logo se vê.
Aos que se preocupam com o avançar da minha idade, mais do que eu, digo-vos que nunca senti aquele apelo biológico irrefreável de passar os genes. Que, para quem tem imensa curiosidade sobre a aparência dos petizes, já existem app's para ver como saíria a mistura dos traços do pai e da mãe.
Que se a vontade despertar após a menopausa, a adopção é uma opção.
Aos que se preocupam com a nossa felicidade, garanto-vos que ela existe vivida a dois, e é linda.
Aos que ponderam quem cuidará de nós quando formos velhos e inválidos, eu respondo, provavelmente a mesma enfermeira que cuidará de vocês. Talvez nos encontremos todos no mesmo centro de dia ou lar.
Aos que se preocupam com números e crescimento da população, eu respondo: somos mais de 7 mil milhões! Não chega?! Eu até acho gente a mais.
Aos que continuarão a olhar-nos com estranheza, eu respondo que sou fruto da Natureza, essencial ao equilíbrio. Se a todos os casais lhes desse para andarem a conceber equipas de futebol, a vida no Mundo já teria deixado de ser viável há muito, muito, tempo.
E ainda que, sejam democráticos. Não indaguem somente sobre a natureza dos casais sem filhos. Sejam inquisitivos também com aqueles que procriam. Levantem o véu sobre os motivos que levam as pessoas a terem filhos. Conhecerão filhos do amor, e de muitas outras coisas, menos felizes e pródigas.
Façam-no, mais do que pela curiosidade, pelas crianças dos diversos institutos e orfanatos.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário