Gosto das palavras. Brincamos com estas e é-nos revelado o sentido das coisas.
Há uma razão para que, na língua inglesa, "house" e "home" sejam vocábulos distintos.
Basta haver uma estrutura, um edifício e estaremos perante uma casa, uma "house". No entanto, por si só, isso não basta para ser um lar, "home".
Falta-lhe vida, energia vital, fogo. Da mesma forma que um corpo precisa de alma para ser uma pessoa.
Curiosamente, uma das definições de lar, é "o local onde está o lume".
Se no ser humano a fonte de energia vital é o coração, também morada da alma, numa casa não é diferente.
Por muitos séculos a divisão mais importante de uma casa era onde estava presente o "hearth", (não é gralha, é mesmo assim, com "th").
hearth medieval |
O "Hearth" é uma lareira, presente nas casas e nos templos, desde os primórdios da civilização. Onde o lume está sempre presente e nunca se nega a quem o pedir, como podem ler aqui , numa crónica de costumes do povo açoriano.
(mais sobre "hearths" aqui )
Nas palavras do poeta brasileiro Érico Veríssimo, "Enquanto houver lume num lar hospitaleiro, haverá ainda na terra um rasto de esperança".
Chamo-lhe a sala de Héstia, pois esta é a divindade do fogo doméstico e do que ardia nos altares dos templos. O seu objectivo era protecção e o bem-estar das cidades, das colónias e dos lares.
A própria deusa é o fogo, representada muitas vezes como chama. É o conceito de sobrevivência, de refúgio, segurança, de continuação da existência da civilização, acima de qualquer disputa, guerra, transtorno, revolução.
Na Antiga Grécia, quando um casal se unia, existia um ritual em que este acompanhava a mãe da noiva até à nova casa. Esta levava consigo uma chama do seu lar, dotando a nova casa do fogo de Héstia, dando-lhe o necessário para se tornar também um lar.
Quando penso em "hearths" penso em lareiras alentejanas. Retrocedo no tempo e sorrio. O fogo persiste. Somente no pensamento, mas persiste.
Vôo para norte, e revejo-me numa cozinha de modos transmontanos, onde o lume crepita.
São as chamas da minha memória.
via culturas no campo - lareira transmontana lareira alentejana lareira alentejana |
Na casa que idealizo, Héstia tem uma morada condigna. Tenho-lhe dó por a ver confinada aos bicos do fogão.
Maldigo alguns traços da modernidade, que faz de nós, uma humanidade tão pouco humana. Porque penso que éramos melhores mesmo quando, só por peso das cirscustâncias, aprendiamos a ser corteses, prestáveis, hospitaleiros. A não negar o lume.
Sem comentários:
Enviar um comentário