quarta-feira, 4 de outubro de 2017

coisas sobre mim: Viver com dor, ou a provável necessidade de aulas de sociabilização para humanos



Sou péssima com cronologias, em ter que dar ordem temporal às coisas, dizer com acuidade há quanto foi isto ou aquilo.

Tenho 38 anos e uma dose de caruncho em cima que quase todos os dias me faz acreditar que alguém algures meteu a pata a poça, trocou os números e os registos lá no departamento das Cárites, e fez com que as três irmãs Moiras que fiam o destino de humanos e deuses me andem a confundir com alguém de 83.
Ao longo dos últimos tempos - lá está, não me peçam para quantificar, fiquemos por mais de 2 meses e menos de 1 ano - contam-se pelos dedos de uma mão os dias que passei sem qualquer dor. Todos os outros têm a presença crónica e constante dessa sombra que sente, mais ou menos, mas sempre lá, nas pernas, nas costas, nos braços...

O ponto positivo é que nunca tive tanto tema em comum para com algumas das amigas com quem me vou cruzando nas caminhadas com o Kiko, essas verdadeiramente octogenárias.

O lado negativo de viver com o ruído branco omnipresente da dor é que esta, embora tolerável e possível de ser domada, impossibilitada de ocupar o espaço central do plateau, através da presença de espírito e autodisciplina, e pronto, analgésicos de vez em quando, (gosto de pensar que quem se cruza comigo não faz a mais pálida ideia que está a receber um sorriso da parte de alguém que está com dores desde o minuto em que acordou), é acima de tudo a diminuição de tempo e atenção que temos para os outros.

É o estar a ouvir a intervenção de um vizinho na reunião de condomínio e, passado alguns minutos não captar nada do que é dito, porque o caralho do velho não vai ao cerne da questão e decide aproveitar as luzes da ribalta para uma introdução histórica ao problema desde os tempos do Marquês de Pombal; é o desligar o chat do facebook como medida preventiva porque se se ouve mais um daqueles avisos sonoros e vai-se a ver é o enésimo contacto que decide andar a partilhar daquelas caganeiras com mensagens correntes, apelos, e merdinhas do género - uma pessoa não quer andar aí a partilhar póias com quem nos manda corações; é o já não conseguir não revirar os olhos, nem deixar de bocejar, ou ficar de olhar perdido no horizonte quando as conversas são uma seca; é o deixar para mais tarde a resposta a mensagens, mails e afins; é o não atender o telefone a um familiar porque leva-se muito a sério a regra de não nos levantarmos por algo tão menor quanto um telefone, e se ainda conversámos há poucos dias, foda-se, o que é pode haver para dizer de novo em tão curto espaço de tempo, há alguma maneira simpática de dizer que devíamos agendar as conversas para de mês a mês, de dois em dois meses?!



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