quinta-feira, 2 de maio de 2013
Coisas que me irritam #3
Um dia destes acompanhei uma amiga numa visita relâmpago a um dos muitos espaços de alma burocrática, onde desempregados e funcionários vivem para uma constante troca de palavras e papéis.
Um minúsculo espaço dividido entre sala de espera e dois guichets.
Meia dúzia de pessoas ocupavam dispersas as cadeiras de um laranja forte, à espera do momento que culminaria, inevitavelmente, na tal troca de palavras por papéis, e uma nova data para uma segunda e uma terceira, e uma enésima troca de papéis por palavras, de papéis por outros papéis.
E eu, que nada percebo destas trocas, fiquei de pé num canto, à espera da minha amiga, observando com discrição e minúcia. E o que vi, torna-me grata pela curta duração da minha estadia naquele cubículo.
Varri com o olhar as formas e as cores, a quase materialização do silêncio, não fora uma criança irrequieta e a sua mãe. Vi as pessoas, as suas faces, as suas mãos ocupadas com papéis, e nada disso me incomodou. Até que a vi. E tudo o resto passou para segundo plano.
Era uma mulher, nos seus vintes ou trintas, e passaria despercebida não fora o seu incómodo, silencioso mas palpável, em relação ao petiz irrequieto que lhe invadia o espaço pessoal.
Li-lhe a postura - abraçava a mala e os pertences, os cabelos longos serviam de esconderijo ao rosto e os olhos focavam um ponto de nenhures, fugindo de qualquer contacto.
E o fedelho, que saltitava e o diabo a sete na cadeira ali mesmo ao seu lado, demasiado próximo, demasiado incómodo, invasor do seu desejo de invisibilidade. E as suas costas que se iam curvando cada vez mais, a cada estridência do miúdo, que imaginei por momentos que esta mulher se iria transformar em tartaruga e recolher-se finalmente ao conforto do isolamento no interior da sua carapaça, ou que iria desaparecer de vez, absorvida pelo plástico laranja da cadeira.
Decidi não ver mais nada. Foquei toda a atenção na ponta dos meus sapatos.
Estava irritada. Tinha-se acendido o Vesúvio que mora na minha barriga e interiormente crispava-me, ardia, maldizia todas as coisas que nos pesam e nos fazem andar de costas curvadas, que nos roubam a vontade de sorrir, o brilho do olhar, e até o mínimo de confiança que nos permite dizer a um puto que se cale e se ponha quieto, se assim nos apetecer.
Mais do que irritada, estava frustada. Por ela. Por mim, por não ter qualquer poder para lhe pintar com cores felizes o semblante e a existência.
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